Justiça desportiva… à portuguesa

O campeonato nacional, a mais importante competição desportiva do futebol profissional em Portugal (LIGA NOS), terminou na semana passada, com mais uma vitória (terceira consecutiva) da SL Benfica SAD. Alguns dias depois, a mesma equipa venceu a Taça da Liga (Taça CTT), em Coimbra, numa vitória folgada sobre a C.S. Marítimo SAD.

No passado Domingo, após emocionante e empolgante partida com a FC Porto SAD, a SC Braga SAD, 50 anos depois, conseguiu nova e justíssima vitória na Taça de Portugal.

Por outro lado, na LIGA NOS da próxima época desportiva 2016/2017, participarão as SAD de Chaves e Feirense, enquanto que, aparentemente, para o Campeonato Nacional de Seniores descem as SAD de Farense e Atlético, e as SDUQ de Oriental, Mafra e Oliveirense.

Assim, a época desportiva 2015/2016 do jogo disputado dentro do campo terminou. Contudo, desengane-se o leitor, se pensa que os efeitos das mencionadas competições desportivas estão totalmente sedimentados e que as referidas classificações obtidas dentro do recinto de jogo, não são suscetíveis de eventuais alterações na denominada “secretaria”. O jogo da Justiça Desportiva ainda agora começou e os meses de Junho e Julho de 2016, podem ser abrasivos nesta matéria.

Como se sabe, durante largas semanas, a referida competição de futebol profissional, foi assombrada por ventos de suspeição da existência de incentivos monetários para as diversas SADs que, nas últimas jornadas defrontavam a SL Benfica SAD.

 O denominado “Caso da Mala ” motivou a abertura pela Comissão de Instrução e Inquéritos (CII) da Liga de um inquérito disciplinar para averiguar da existência de alegados incentivos financeiros de terceiros para algumas equipas conseguirem travar os então rivais na luta pelo título, sem que, até à presente data, tenha existido quaisquer decisões sobre o aludido inquérito.

Ainda não refeitos desta situação, no início do presente mês, a SAD do União da Madeira enviou uma carta ao Presidente da LPFP (Pedro Proença) a pedir esclarecimentos sobre a "alegada irregularidade perpetrada pelo Vitória de Setúbal", por utilização de jogadores que não podiam ou não deveriam ter sido inscritos em Janeiro de 2016.

Em causa, recorde-se, está uma pretensa dívida de € 28.674 da SAD do Vitória de Setúbal ao Almancil pelos direitos de formação de Hassan Nader, que por não estar saldada, e em virtude de decisão de Comissão Arbitral da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) transitada em julgado, impediria os sadinos de inscreverem jogadores na janela de transferências subsequente (Janeiro 2016) caso não saldassem a aludida dívida num prazo de 30 dias, o que, aparentemente, não veio a suceder.  

Assim, o incumprimento da referida decisão arbitral, poderá nos termos regulamentares aplicáveis (art. 78º do Regulamento Disciplinar da LPFP), em última instância, e caso seja desencadeado processo disciplinar para o efeito, originar a perda de pontos (dois a cinco) e, subsequentemente, acarretar descida de divisão da equipa sadina. Até à presente data, desconhece-se quaisquer desenvolvimentos sobre o assunto.

Como se não bastasse os casos supra referidos, na última jornada da LIGA NOS, e após alguns meses de investigação pela Polícia Judiciária, surge o Caso denominado ‘Jogo Duplo’, em torno de alegados resultados combinados, envolvendo como suspeitos, dirigentes e jogadores de futebol entre outros, com ligação ao negócio das “apostas desportivas" de extensão e consequências imprevisíveis para o Futebol português.

Como se sabe, quatro jogadores do Oriental, quatro da Oliveirense, dois dirigentes do Leixões e mais cinco outras pessoas, foram detidas para interrogatório, numa inesperada ação de combate à corrupção no fenómeno desportivo. O caso continua em investigação criminal e desportiva.

Para além destes casos, alguns dias mais tarde, veio a público, a acusação de corrupção proferida pelo Ministério Público contra o Moreirense, no âmbito do qual, na reta final da temporada 2011/2012, que resultou na subida do Moreirense à I Liga, terão sido contactados seis jogadores do Santa Clara e da Naval com o objetivo de, sob promessa de atribuição de uma determinada quantia, facilitarem nos jogos disputados contra aquela equipa naquela época.

Face ao exposto, são demasiados casos desportivos graves, indiciadores da prática de factos suscetíveis de adulteração da verdade desportiva, para que, tudo fique na mesma ou não se atue com a transparência e celeridade que o Futebol nacional necessita.

Desde 2007, o legislador português, estabeleceu um Regime de Responsabilidade Penal por Comportamentos Antidesportivos (Lei nº 50/2007, de 31 de Agosto) punindo comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva, designadamente, atos de corrupção ativa e/ou passiva, tráfico de influências ou associação criminosa.

O Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) em sintonia com a lei, sanciona também severamente, clubes (com sanção de desclassificação ou subtração de pontos e multa em caso de tentativa), jogadores, dirigentes ou árbitros que contribuam para a viciação dos resultados desportivos.

Todos os casos supra referidos, podem originar consequências desportivas de monta, com a redefinição de quem se mantém ou desce de divisão nas diversas competições em causa, abrangendo por consequência, toda a credibilidade do Futebol nacional. Deste modo, o problema, mais uma vez, não é legislativo ou normativo, mas sobretudo, de apuramento célere e concreto dos factos puníveis que constituem infrações disciplinares, e de coragem na sua posterior aplicação pelos órgãos de justiça desportiva.

No plano meramente jurídico disciplinar, é urgente que surjam decisões antes da homologação definitiva dos resultados das competições profissionais, ainda que, como se sabe, a FPF tenha eleições agendadas para o próximo dia 4 de Junho do presente ano, o que, poderá dificultar a celeridade dos procedimentos ou das decisões necessárias para o efeito, pela secção profissional do Conselho de Disciplina.

Consagra a lei (art. 55º do Regime Jurídico das Federações Desportivas), que o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal, ou seja, os órgãos de justiça desportiva não têm de aguardar pelas decisões dos tribunais judiciais e/ou criminais para que atuem e, eventualmente, apliquem uma sanção disciplinar.

O Futebol português, não precisa de uma Justiça precipitada ou alheada da realidade, mas sobretudo, precisa de gente que consiga impor o respeito pela manutenção da disciplina e da ordem desportiva dos intervenientes na modalidade, sejam estes atletas, profissionais ou não, clubes, SADs, árbitros, técnicos, agentes e, em especial, os dirigentes. A CII da Liga e, sobretudo, o próximo Conselho de Disciplina da FPF têm a palavra.

Lisboa, 24 de Maio de 2016

Advogado na MGRA Soc. Advogados (lmc@mgra.pt) e Docente Direito do Desporto Universidade Lusíada de Lisboa