Hospitais: qualificar e avaliar

Durante os últimos 15 anos, os hospitais públicos portugueses têm sofrido uma série de mudanças estruturais no modelo de gestão e financiamento. Ao nível do modelo gestionário, os hospitais do Setor Público Administrativo (SPA) foram transformados em Sociedades Anónimas (SA) e, posteriormente, em Empresas Públicas (EPE). 

Acreditava-se que o modelo de gestão pública tradicional era incapaz de responder às necessidades correntes e aos desafios do sistema de Saúde. Simultaneamente, o financiamento hospitalar evoluiu da subsidiação da estrutura, com base em custos históricos, para um modelo prospetivo baseado, essencialmente, em atividade. Este processo foi acompanhado por um substancial crescimento do financiamento da operação e do investimento. Todavia, ano após ano, a globalidade dos hospitais públicos foi incapaz de apresentar um exercício orçamental equilibrado.

Com efeito, este período não foi seguido por uma garantia da qualificação e responsabilização da gestão hospitalar. A criação de novos modelos passou pelo recrutamento arbitrário e pouco transparente de muitos profissionais sem qualquer ligação e conhecimento do setor. Em paralelo, os já de si frágeis mecanismos de controlo de qualidade da administração foram eliminados.

No final da última década, a crise veio restringir, de forma drástica, o financiamento dos hospitais. Para além dos hospitais terem alavancado a sua atividade na dívida a fornecedores, este constrangimento veio provocar uma crescente deterioração da situação económica e financeira destas organizações. 

Mesmo neste contexto, a administração central foi incapaz de acompanhar e intervir sobre as entidades com pior desempenho. Apesar de algumas tentativas, em nenhum momento foi implementado qualquer modelo de avaliação dos Conselhos de Administração ou da gestão intermédia, tampouco foram conhecidos requisitos transparentes ou de idoneidade para o exercício de funções. 

Já na presente década e em vésperas do pedido de apoio internacional, os ministérios da Saúde e das Finanças iniciaram um movimento progressivo de restrição da autonomia dos hospitais. 

Com o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) atingiram-se níveis extremos de centralismo (e.g. contratação de recursos humanos, investimento), resultando em fortes consequências sobre a flexibilidade de resposta às populações. 

Com o final do PAEF foi criada uma expectativa para o desenvolvimento de um plano progressivo de descentralização da decisão, acompanhado pela qualificação e responsabilização da gestão hospitalar. Contudo, continuamos a observar a prossecução do processo centralizador. Hoje, Conselhos de Administração com responsabilidade sobre orçamentos de dezenas de milhões de euros são obrigados a pedir autorização pa- ra fazer despesa superior a 25 mil. 

Por outro lado, na semana passada ocorreu um novo episódio, em que o Parlamento aprovou uma recomendação para que os hospitais sejam reintegrados no SPA num prazo de dois anos.

Ora, ao mesmo tempo que se criam condições para a liberdade de escolha do utente e competição entre os hospitais públicos, maior é a dependência gestionária dos hospitais face à administração central. Este desalinhamento estratégico está a tempo de ser sanado. Ainda assim, avizinhando-se um agravamento dos custos operacionais do setor sem a devida contrapartida ao nível do volume de financiamento, nem flexibilidade e qualidade de gestão, criam-se as condições para potencialmente observarmos uma deterioração da qualidade dos cuidados prestados.

Nestas circunstâncias, é imperativo garantir um consenso alargado para um quadro de qualificação da administração hospitalar e gestão em Saúde, passando pela educação e formação especializada e contínua, por um processo de recrutamento transparente e pela avaliação do desempenho, entre outros.

Hoje e sempre, os administradores hospitalares estão disponíveis para contribuir para o desenvolvimento e sustentabilidade do sistema de Saúde.

*Adminisrador hospitalar