Todos contra Cristóvão

O julgamento do processo em que o ex-inspetor da Polícia Judiciária (PJ) Paulo Pereira Cristóvão é acusado de associação criminosa e roubo qualificado começou na quarta-feira – poucos dias após ter sido condenado a quatro anos e meio de prisão com pena suspensa num outro processo. E Cristóvão voltou ao mesmo Tribunal, com os mesmos…

Todos contra Cristóvão

Cristóvão, que se fez acompanhar no tribunal pela sua mãe, esclareceu os juízes que irá prestar declarações, mas apenas quando considerar «oportuno».

Segundo a investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), os 18 arguidos terão simulado, com recurso a mandados de busca falsos, cobranças oficiais a empresários que sabiam terem bens em casa. Estão por isso também em causa crimes como sequestro, posse e detenção de arma proibida, abuso de poder, violação de domicílio por funcionário e falsificação de documento. Dias antes do início do julgamento, um dos arguidos que estava em prisão domiciliária, conhecido por ‘CopKiller’, fugiu, não sendo ainda conhecido o seu paradeiro.

Celso ‘Kota’ só falou sem os outros arguidos presentes

O primeiro arguido a falar foi Celso ‘Kota’, um dos elementos mais relevantes nesta teia segundo o DCIAP. O arguido começou por explicar que só falaria à-vontade se os restantes suspeitos saíssem da sala, frisando ter receio da influência do antigo vice-presidente do Sporting. Uma influência que justificou com a ligação deste à Ordem dos Templários.

O pedido foi aceite pela juíza Marisa Arnedo, presidente do coletivo.

Questionado sobre o seu envolvimento, Celso ‘Kota’ esclareceu que, em 2013, tinha sido contactado por um empresário, Paulo Santos, que lhe pediu ajuda para recuperar uma dívida de 350 mil euros. O devedor era um outro empresário de Cascais, Cristiano Martins. Como Celso estava com a liberdade restringida por conta de um processo de tráfico de droga, sugeriu o nome do ex-inspetor da PJ, Pereira Cristóvão.

Depois de tudo ter sido acordado e de Cristóvão ter aceitado o serviço, o empresário Paulo Santos levou para casa de Celso toda a documentação que comprovava a existência da dívida. Foi depois disso que o arguido terá conhecido melhor ‘Mustafá’, ou seja, Nuno Mendes, líder da Juve Leo, uma vez que Cristóvão o levou lá a casa para consultar esses documentos.

Perante os juízes, Celso assegurou ter-se desligado de tudo a partir desse momento, tendo apenas sabido do assalto à casa do empresário Cristiano Martins alguns dias depois.

Contou ainda que a sua relação com Pereira Cristóvão começou quando este era dirigente do Sporting, altura em que foi chamado para fazer segurança em jogos mais complexos. Pereira Cristóvão, acrescentou, ajudou-o por diversas vezes, assim como outras pessoas mediáticas, como Kátia Aveiro, irmã de Cristiano Ronaldo.

Líder da Juve Leo revela combinação dos assaltos

Da parte da tarde, foi a vez de ouvir outro dos principais arguidos: Nuno Mendes, o líder da Juve Leo, respondeu a todas as questões do tribunal e revelou como foram as combinações com o ex-inspetor da PJ.

«Quando saímos de casa do Celso, o Paulo Pereira Cristóvão foi mostrar-me o prédio, em Cascais, [onde morava Cristiano] e pediu-me que arranjasse pessoas para  fazer aquela cobrança», disse, adiantando que foi por isso que acabou por envolver um familiar seu neste esquema. ‘Mustafá’ perguntou a Paulo Alexandre, seu irmão e também arguido, se estaria disposto a arranjar um grupo para fazer o serviço. Depois de alguma insistência, conta, conseguiu convencê-lo.

Nuno Mendes afirmou ainda estar realmente convencido de que se tratava de uma cobrança real e que ainda ficou mais descansado quando o seu irmão lhe contou que as pessoas que tinha arranjado eram dois elementos da PSP: «Para mim, serem da Polícia descansou-me, não ia haver violência nem outras coisas…»

O cofre que devia ter 1 milhão 

Durante todo o período em que duraram as combinações, todos os contactos com o ex-inspetor da Judiciária eram sempre pessoalmente e o aviso era dado por Nuno Lobito (que chegou a ser arguido, mas não foi acusado).
«O Paulo Pereira Cristóvão não falava disto por telemóvel, mas ligava-me quando era para falar do Sporting», esclareceu ‘Mustafá’.

Mas o que ia ganhar afinal ‘Mustafá’ e os outros elementos com tal cobrança? Segundo Nuno Mendes, tinham indicações de de Pereira Cristóvão que iam cobrar uma dívida de um milhão de euros, dinheiro que o empresário Cristiano Martins teria num cofre de sua casa e o combinado era que o dinheiro, no final, fosse dividido entre o grupo (50%) e Pereira Cristóvão (50%). Ou seja, meio milhão para cada parte e nada para o credor. Isto apesar de Celso ‘Kota’ ter dito antes que em causa estava uma dívida de apenas 350 mil euros.

Na noite do primeiro crime, perto das 21h30, o grupo aproximou-se do prédio onde morava Cristiano, em Cascais, dividido em dois carros. Num deles ia ‘Mustafá’ com o seu irmão Paulo Alexandre e Pereira Cristóvão. No outro iam os dois agentes da PSP contratados para o serviço e um terceiro elemento, o serralheiro Mário Lopes. O assalto não demorou mais de 30 minutos.

Tudo correu como planeado menos uma coisa, explicou o arguido: quando finalmente pararam os dois carros em que seguiam, no Guincho, os três que tinham entrado na residência contaram que no cofre de Cristiano apenas tinham encontrado 80 mil euros e não um milhão.

«Um dos problemas foi dizer às pessoas que afinal não era para dividir 500 mil euros, mas sim 40 mil», revelou o líder da Juve Leo, que terá manifestado esta preocupação nessa altura ao ex-vice-presidente do Sporting.

Pereira Cristóvão, porém, terá descansado de imediato o seu operacional: «Pediu-me para descansar as pessoas porque ele ia arranjar mais cobranças difíceis para eles e disse-me mesmo que estava já a preparar uma cobrança para daí a duas ou três semanas».

E arranjou, mas dessa vez não havia sequer dinheiro na habitação roubada e ‘Mustafá diz ter saído de cena nessa altura.

O outro arguido ouvido na quarta-feira foi Mário Lopes, conhecido por Vítor Hugo. Trata-se de um serralheiro que terá feito a ponte entre o irmão de ‘Mustafá’ e os dois agentes da PSP envolvidos no esquema: Elói Fachada e Luís Conceição.