Porfírio Silva: “Temos de tentar convergências alargadas com PSD e CDS”

É visto como um dos dirigentes mais próximos de António Costa e acredita que haverá debate neste Congresso do PS. Mas rejeita a ideia de críticos internos «iluminados» no partido.

As 35 horas são uma promessa mais difícil de cumprir do que o Governo pensava?

Há uma promessa e ela tem de ser cumprida. Outro aspeto não menos essencial é que isso tem de ser feito dentro das limitações que o país conhece e sabendo em cada momento as consequências de cada passo que é dado. Dentro disto, o que tem estado a ser feito é procurar uma forma de o concretizar. Penso que todas as partes estão de boa fé e a tentar encontrar a melhor maneira de lá chegar.

Por que é tão importante voltar às 35 horas?

A questão das 35 horas está no cerne de duas formas completamente diferentes de olhar para a coisa pública. Alguns defendem as 40 horas quase como um castigo. E há uma outra visão que é a de que não há nenhum estudo que mostre que um horário mais alargado aumenta a produtividade e a qualidade do serviço. É o confronto entre estas duas visões que está em causa.

Concorda com as 35 horas para todos, incluindo privados?

Penso que é já muito alargado o leque daqueles que pensam que a prazo é desejável que se trabalhe menos e que se trabalhe melhor. A ideia de opor os interesses do país aos dos trabalhadores é uma ideia retrógrada. Agora, a maior parte das coisas pode-se fazer a prazo. Não se pode fazer hoje. Mas mais tarde ou mais cedo havemos de lá chegar.

A direita diz que o Governo está refém dos sindicatos. Em que medida foi importante alcançar o acordo com os estivadores?

A solução do Governo foi marcar limites, respeitando o direito à greve, respeitando a posição dos operadores, mas entendendo que era uma questão essencial para o funcionamento do país. Penso que a solução é adequada, porque era uma questão que estava a prejudicar a economia e porque foi um avanço também na perspetiva da organização do trabalho. Não podemos continuar a pensar que os problemas da organização do trabalho se resolvem aumentando a precariedade. Esta solução mostra que, se quisermos resolver os problemas da melhor maneira para a economia e respeitando os direitos dos trabalhadores, podemos conseguir. Não quer dizer que consigamos sempre. Mas este Governo tem tentado.

Faz sentido Francisco Assis dizer que o Governo está manietado pelo PCP?

Eu consigo ainda espantar-me com a forma como a democracia representativa a funcionar causa tanta confusão a algumas pessoas. É obviamente uma maioria onde é preciso estar sempre a negociar. Nessa negociação, temos de tentar defender aquilo em que não podemos transigir e tentar encontrar uma saída dentro deste quadro. É certo que havia gente que pensava que os eleitores do PCP e do BE não serviam para a democracia, mas o que está a acontecer é a normalidade democrática.

Assis diz que Passos Coelho não é, afinal, um neoliberal. Concorda?

O que me espanta é que ainda haja socialistas que pensam que o PS poderia ter sido conivente com um novo Governo de Passos Coelho e Paulo Portas. Não me quero referir especificamente a nenhuma pessoa em particular, mas alguns críticos dentro do partido aparentemente não perceberam que seria insuportável para o país e para aqueles que votaram no PS que este tivesse sido cúmplice de uma renovação de um Governo Passos-Portas. A alternativa a essa solução, de construir uma maioria coerente na Assembleia da República, era o PS ficar manietado talvez numa abstenção violenta permanentemente, enquanto Passos e Portas continuavam a fazer a política que fizeram nos últimos anos. É um mistério para mim como é que ainda há socialistas que acham que o PS poderia sobreviver politicamente a essa abstenção violenta.

Ao encostar à esquerda, o PS não está a perder o centro-direita e a criar um problema no futuro?

Não. O problema de futuro estaria criado se o PS pensasse que podia ter traído o seu eleitorado e, em vez de fazer aquilo que o nosso eleitorado queria que era travar o Governo anterior, permitisse que ele continuasse. Os partidos também morrem e morrem quando atraiçoam o seu eleitorado.

O bloco central seria decretar o fim do PS?

Seria roubar às pessoas a possibilidade de terem uma alternativa. A forma como nos apresentámos às últimas eleições foi para travar a política do Governo Passos-Portas, fazer uma política diferente. Se nós tivéssemos deixado andar a carruagem no mesmo passo, seriamos penalizados por isso.

Como acha que vão ser ouvidos os críticos no Congresso do PS?

Eu convivo muito bem com a pluralidade de opiniões dentro do PS. Aliás, grande parte da minha vida fui minoria no PS. Não há é castas de iluminados que decidem politicamente. Os militantes é que votam.

Que debate espera que se faça neste Congresso?

O PS continua a ter desafios importantes. Em primeiro lugar, é evidente que o PS tem de continuar a honrar os acordos à esquerda e isso, como já se viu, é um trabalho de todos os dias. Os acordos assinados não são tábuas da lei com todos os detalhes e todos os artigos e cláusulas sobre tudo o que vai acontecer no mundo e portanto têm sempre de ser analisados caso a caso. Isso é um trabalho importante do PS que certamente merecerá discussão. Por outro lado, o PS continua a ver o desafio de prosseguir a normalização da vida democrática portuguesa. Além da maioria parlamentar, é importante que haja convergências mais alargadas na perspetiva de uma agenda para a década.

Conta com a direita para isso?

É necessário conseguirmos convencer a oposição de que a via do radicalismo extremista contra a maioria não é aquilo de que o país precisa. E que é preciso continuar a encontrar convergências mais vastas e mais profundas do que as legislaturas.

Em que áreas serão desejáveis ou possíveis?

Para haver divergências políticas tem de haver campos mais amplos de convergência. Se certas políticas podem mudar de quatro em quatro anos, há áreas em que é importante que haja estabilidade. Dou o exemplo da Educação. Estou de acordo quando se diz que é preciso estabilidade na Educação. Já não estou de acordo quando se diz que isso seria continuar a política do ministro Nuno Crato. O que Crato fez foi romper alguns dos consensos mais duradouros entre as várias forças políticas. Num dos últimos debates quinzenais, perguntei ao primeiro-ministro como é que, num contexto de radicalização do PSD e do CDS em matéria educativa, poderíamos conseguir convergências e ele deu a melhor resposta que é a de que há uma base para isso, que é a Constituição. Temos de partir para o diálogo para, dentro dessa base, tentar encontrar convergências.