Francisco Ferreira: ‘Portugal tem de fazer uma grande aposta na energia solar’

Francisco Ferreira, que saiu da Quercus e fundou a Zero, diz que o segredo para Portugal deixar de depender de energias fósseis e cumprir o acordo de Paris está mesmo no sol. E critica o abrandamento da sensibilização para a reciclagem.

A área da energia vai ser fundamental para que se alcancem as metas propostas no acordo de Paris?

O acordo de Paris de dezembro do ano passado definiu uma meta extremamente ambiciosa e que é garantir-se que na segunda metade deste século vamos ter um balanço neutro entre as emissões de gases com efeito de estufa e aquilo que conseguimos retirar da atmosfera. Isto significa deixarmos de usar petróleo, carvão e gás natural ao longo das próximas décadas, não há grande volta a dar.

Em que pé está Portugal?

Está numa situação complicada porque temos uma elevada dependência energética, na ordem do 75%, grande parte no setor dos transportes mas também no setor da eletricidade. Esta questão da energia é absolutamente vital porque, dependendo das opções que fazemos agora, vamos conseguir mudar ou não o curso da História.

Estão a ser feitas as opções corretas para atingirmos as metas de Paris?

O problema é que ainda não fizemos as opções. As melhores que fizemos foram tomadas no início deste século. Falo da instalação de aerogeradores para a produção de eletricidade.

Há alguma figura política que destaque no apoio à energia eólica?

Sim, Oliveira Fernandes, secretário de Estado da Energia que lançou um programa que na altura ficou conhecido por E4. Este programa abrangeu a componente da eficiência energética e lançou o país nas renováveis. Só por isso é que, no mês passado ano, com 15 anos de diferença, conseguimos ter quase cinco dias de eletricidade a partir de fontes renováveis. Esta conquista foi um marco muito importante.

Quanto tempo falta para que estes quatro dias se prolonguem por semanas e meses?

Com as decisões certas, podemos aproximar-nos muito deste número em 2030.

Quais são as decisões certas que têm de ser tomadas agora?

As decisões agora terão de passar por uma grande aposta no solar, que está a ter uma expansão muito grande, mas ao nível do chamado autoconsumo.

Tem painéis solares em sua casa?

Sim, e tenho água quente solar. Há quase dez anos. Fui a segunda pessoa a instalá-los a título privado no país, só fui ultrapassado por um amigo (risos). A lógica dos meus painéis neste momento já não é replicada porque baixaram tanto de preço que já só compensa fazer o investimento como autoconsumo e não para venda à rede, como fiz na altura.

Acha que os atuais subsídios às renováveis são suficientes?

Um dos comentários que se utiliza contra as renováveis, e que não é real, é que a produção de eletricidade renovável só é viável à custa de um grande financiamento. É verdade que as renováveis têm tido uma subsidiação considerável, a solar curiosamente começou com uma grande subsidiação que neste momento não tem. Se formos a verificar os atuais apoios, chegamos à conclusão de que são as centrais que funcionam a combustíveis fósseis que recebem mais subsídios.

Falta por isso mais financiamento à energia solar numa lógica de grandes empresas.

Sim, é crucial. Consigo ter uma fração muito importante de hídrica e eólica durante os meses de inverno e primavera, mas durante o verão é muito complicado ter produção. Somos o país da Europa com o maior número de horas de sol por ano, por isso a renovável certa é esta. Mas em relação aos outros países, em termos de potência instalada, estamos muito cá em baixo.

As empresas que vendem eletricidade produzida a partir de fontes fósseis estão prontas para esta mudança?

Muitos dos empreendedores nas áreas das energias renováveis também o são nos combustíveis fósseis. Veja-se a EDP, que tem inúmeros parques eólicos e as grandes barragens, mas também tem Sines, a nossa principal central térmica a carvão, que emite mais dióxido de carbono por cada quilowatt/hora produzido e, se estivesse a pagar os custos ambientais legítimos, não seria economicamente viável.

Além da produção de energia, quais são os outros grandes desafios?

Eletrificar a mobilidade, pois ainda é muito caro ter um carro elétrico e há poucos postos de carga. O setor dos transportes, e em particular o rodoviário, é o principal responsável pela emissão de gás com efeito de estufa em Portugal. Por isso, é absolutamente vital que se dê ênfase à mobilidade elétrica para se chegar 100% de energia final renovável. Por outro lado, as pessoas devem usar cada vez mais o transporte público e a bicicleta – é preciso começar a haver cada vez mais pessoas a andar de bicicleta para que as outras também se entusiasmem. Estamos longe daquilo que é possível e desejável para um país com o nosso clima. As subidas e as descidas não são desculpa. E há toda uma revolução que é fundamental fazer, contra o paradigma vigente do consumismo.

Acha que falta uma educação contra o consumismo?

Isso mesmo: o que falta não é uma educação aos consumidores, é uma educação contra o consumismo. Isso está em cima das agendas dos políticos à escala europeia, mas depois na prática não temos a resposta que seria desejável. Por exemplo, precisamos de investir na reparação dos eletrodomésticos, mais do que dar-lhes o destino certo no fim de vida. Precisamos de educar as pessoas para fazer as escolhas certas para o clima – como consumir produtos locais e nas estações certas, reduzir o consumo de carne, comprar as quantidades necessárias e saber reduzir as quantidades de embalagens, por exemplo. E, acima de tudo, mudar de paradigma: a qualidade de vida e a felicidade não têm uma relação direta com o consumo. A ideia de que comprar é que traz felicidade é-nos vendida.

Por onde acha que essa mudança deve começar? Nas escolas? Por exemplo, o tema da reciclagem inserido nas escolas durante anos a fio parece ter dado resultado para algumas gerações.

Será? Acho que houve um abrandamento da sensibilização em relação à reciclagem. E não nos esqueçamos que a reciclagem já é o terceiro R (reduzir, reutilizar, reciclar). Estive há dias numa escola com uma turma dpo 8.º ano e perguntei quem fazia recolha seletiva. Em 60, havia menos de 15. É muito pouco, fiquei desiludido. Por outro lado, há um caminho a fazer na reutilização: esta garrafa de água, por exemplo, terá como fim a reciclagem, mas podia ser reutilizada.

Consegue aplicar estes princípios quando vai ao supermercado?

Aí aplico mesmo. Compro cerveja em embalagem reutilizável,  que é fácil e fica mais barato. Na escolha das embalagens, no comer menos carne, vou ao mercado de Palmela em vez de fazer as compras todas no supermercado, mas estou longe de ser perfeito.

Por que ainda conduz um carro de combustão?

(Risos) Porque este carro que comprei custa menos 15 mil euros do que um elétrico e por uma razão de autonomia. Mas no meu dia a dia, ando em transportes públicos. A minha esperança é comprar um elétrico. Já tive um híbrido antes deste, mas o contrabaixo da minha filha não cabia lá (foi um problema musical, portanto…).