Depois de uma tarde com U.S. Girls e Deerhunter, Julia Holter era tudo o que se precisava para digerir o jantar, tenha sido farto ou em modo uma-bucha-a-fugir-para-o-concerto. As cordas de cada lado – contrabaixo e violino – a bateria atrás, no centro Julia e o seu teclado. O momento é obviamente solene, de cada um, vêem-se casais aninhados, gente com o olhar vago, talvez empurrada pela folk adocicada da norte-americana.

Como se respeita o silêncio, quase como um jogo de ténis e enquanto não há ponto ninguém fala, aqui, a haver conversa é para segredar declarações ao ouvido. Claro que também há os grupos de amigos, esses parecem suspirar por coisas mais mexidas mas não é por isso que não aproveitam. Sobretudo quando Holter, volta não volta, nos dá um outro rosto, algo mais autoritário, quase, sublinhe-se o quase porque será sempre Julia Holter, a querer ser femme fatale. Ou seja, o respeitinho é bonito, ainda que o que mais sobressaia continue a ser a harmonia, incrível plateia humana, o Primavera a pontuar.

Vamos devagar, devagarinho. Os Sigur Rós entram ao seu ritmo, aquele do qual raramente saem, morno quase cruel. A prova disso é o número de pessoas que prefere sentar-se, esta sonoridade celestial pede cabeça no chão e olhos nas estrelas, só que o céu está nublado e a verdade é que a maior parte são resistentes que ficam de pé. A colina do Palco NOS está repleta, ainda que a dormência sugira bocejos.

Os islandeses serão sempre adorados por este público, música ambiental calha sempre bem, e, a bem ou a mal, a cada qual o seu estilo. Os momentos mais intensos, quando o quase silêncio domina, são sempre sobrepostos de gritos de consentimento. E, claro, a nível visual já se sabe como são experts, luz e vídeo, e areia criativa para os nossos olhos.

Mas vêm tempos de mudança, muda a maré porque os Parquet Courts até a entrar têm estilo, "good to see you" fazemos destas as nossas palavras. Afinar as guitarras e cá vai disto, aquela altura da noite pela qual muitos dos que berram "parquet courts" e deambulam por entre diferentes formas de o dizer esperavam. Terra a terra, estes senhores levantam o pó com toda a força.

Desta vez parecem vir ainda melhores, na maior, fazem isto como quem faz outra coisa qualquer, mas com empenho, a confirmar que "Human Performance" é, de facto, um dos grandes discos do ano. Camisa para dentro que isto está entre o bourbon de um bando de cowboys e um rock que já não nos pertence, carrinha velha de nove lugares com motor novinho em folha. Com "Dust" surge a lei do varrer, o lixo está por todo o lado, mas aqui é do bom, é ruído de cidade, é poluição que se nos entranha.

Tirando um ou outro feedback que pode sempre calhar a quem mete tanta gravilha, tanta intensidade, os Parquet Courts são, basta ter estado aqui presente, dos mais singulares da praça. Agarram-se às cordas e dali não saem, numa psicose rockeira a provocar transtorno, e fazem-no com a quantia certa, a irreverência nota-se na forma como se dirigem as pessoas, a mandar recados para os que ficaram sentados na colina do Palco Super Bock.

Lá vem "Bodies Made Of" e a festa, cá em baixo, vai sempre em crescendo. Daí até ao final só faltou partirem as guitarras, os rapazes de Brooklyn são hoje senhores, doutorados em desfazer públicos certinhos, aliás, já é raro encontrar esse perfil por aqui. Fizeram tudo bem.

Os Animal Collective ficaram para o fim, porque supostamente o melhor que está no prato guarda-se para a última das garfadas. Só que já iam tarde, superar o concerto de Parquet Courts afigurava-se quase impossível, não é que se ande aqui a competir, o pior é esse não ter sido o maior problema da turma de Baltimore. Não dizemos que não saibam o que fazem, em alguns picos – quando se harmonizam no meio do excesso deste universo experimental – são mesmo desconcertantes, caricatos a pender para o humor, pensemos em "Golden Gal", por exemplo, tema que libertou umas quantas ancas.

Isso ninguém lhes tira, os Animal Collective são das melhores bandas para ensaiar danças desconhecidas e passos surreais, atrevimentos nos loops infinitos. Continua a parecer que, de vez a vez, são pouco mais que confusão, não tanta como a senhora que ao ir embora confessa ao marido: "Achava que isto era heavy metal". Também nós aproveitamos a deixa, que as pernas já cedem e hoje a dose duplica. Outra coisa: os Parquet Courts podiam bem tocar no lugar de Freddie Gibbs. E se for possível não chover…