Ana Rita Bessa: ‘Devíamos era ficar contentes por ter Portas na Mota-Engil’

A sua primeira experiência política foi no MEP, entretanto extinto. Optou depois pelo  CDS e acredita que Cristas vai «marcar a agenda política de outra maneira». Considera a polémica em torno da saída de Portas para a Mota-Engil «uma cortina de fumo».

Alguns comentadores acham que o CDS está a liderar a oposição. Sente que tem sido assim?

Sabe que nós aqui no Parlamento estamos dentro de uma ‘bolha’ e, por isso, eu provavelmente não tenho uma opinião muito objetiva. Mas gostaria de pensar que sim e diria que – e isto talvez seja um dado mais objetivo –, na proporção da nossa dimensão, do tamanho do nosso grupo parlamentar, temos tido de facto uma representação maior, um espaço de atenção maior, do que o PSD. 

O CDS conseguiu reagir melhor à crise política que fez cair o Governo da coligação do que o PSD?

A mudança de liderança ajuda. Há, aí sim, o virar de uma página. Uma liderança nova, provavelmente com mais energia, permite marcar a agenda de outra maneira. 

Não foi tão difícil como esperava a saída de Paulo Portas?

Faz parte da natureza humana sentir uma certa orfandade, mas a Assunção foi de facto muito bem recebida e isso traduziu-se nalguma facilidade de marcar uma agenda. Seguramente não tem a mesma linha, nem um carisma idêntico ao de Paulo Portas, mas tem um carisma próprio que nos parece ser reconhecido. 

Em que é que são diferentes?

Assunção Cristas é uma pessoa mais entranhável no quotidiano das pessoas do que o Paulo Portas era. Portas tem um perfil que se identifica com uma política mais dura, mais hardcore, também fruto do percurso que fez, e a Assunção tem a capacidade de, tendo isso nela, traduzi-lo em miúdos para a vida concreta das pessoas. Isso é uma lógica discursiva diferente da de Paulo Portas.

Estava na altura de Paulo Portas sair?

Se ele tivesse continuado, teria seguido certamente uma boa linha. Tendo ele saído, a boa surpresa é que o partido está a encontrar uma linguagem. Obviamente que temos muitas provas pela frente. Isto é como no futebol: podemos jogar muito bem no campo, mas depois é preciso marcar os golos e essa é a prova que falta fazer. Mas, em termos de estratégia de jogo, a Assunção tem sabido agarrar bem o partido e nós estamos muito coesos e a trabalhar muito bem.

A ida de Paulo Portas para a  Mota-Engil está a ser muito polémica. O Bloco de Esquerda diz que «não há almoços grátis». Não acha que é cedo para Paulo Portas ocupar um cargo com estas características? 

Há sempre uma tentação muito grande de criar aqui uma cortina de fumo. Acho que nós devíamos era ficar contentes por um talento como o de Paulo Portas poder ser colocado ao serviço de uma empresa que gera emprego e vai gerar exportações. 

Começou a sua vida política no Movimento Esperança Portugal.

É verdade.

Foi a primeira ligação à política?

Sim. Fui desafiada por um conjunto de pessoas que tinham a mesma inquietação que eu tinha. Na altura, sabíamos que havia um divórcio entre as pessoas e os partidos políticos e a pergunta era: será que, se nós criarmos um projeto fora do que já existe, isso é capaz de mobilizar as pessoas que não se reveem nos partidos tradicionais? Era essa a nossa grande atração.

Os novos projetos políticos não têm dado grande resultado em Portugal, ao contrário do que aconteceu noutros países a seguir à crise.  

Nós tentámos, mas não resultou. Não conseguimos resultados satisfatórios a nível eleitoral e entendemos que o projeto não tinha viabilidade. Foi extinto por essa razão. E ingressámos noutros projetos, da esquerda à direita, do PS até ao CDS. Outros seguiram uma vida cívica, como o Rui Marques. Esta semente deu frutos de outra maneira.

E decidiu entrar para o CDS

Sim. Depois de um período de nojo. Achei que não podia fazer uma migração direta e, para mim, não era claro qual seria essa migração. Passou mais de um ano e decidi filiar-me no CDS com a mesma vontade de contribuir. Era difícil encontrar um partido no qual me pudesse rever a 100%, mas onde havia uma identificação maior era dentro do CDS.

Não pensou no PSD?

Também pensei no PSD. Mais à esquerda era difícil. Mas há no CDS uma linha democrata-cristã na qual me revejo bastante e achei que era aqui que devia fazer o meu caminho.

Foi ao Congresso do PS. O primeiro-ministro mostrou-se otimista e garantiu que esta solução de governo é sólida. Acredita que este governo vai durar quatro anos? 

A preocupação do CDS é, por um lado, que o país viva num clima de estabilidade, porque não interessa a ninguém uma constante alteração, e por outro que as políticas produzam bons resultados. Existe uma fragilidade na solução governativa e, por outro lado, todos os indicadores não indiciam um bom percurso e isso preocupa-nos. O papel do CDS é fazer essa crítica, apresentar soluções, mas também comportarmo-nos como um partido sério e preocuparmo-nos com o presente e não estarmos a congeminar sobre qual vai ser a duração deste governo, até porque está fora do nosso controlo. Esta solução governativa vai durar quilo que tiver que durar. Mesmo do ponto de vista parlamentar, há imensa volatilidade. Uma vezes parece que vai durar, outras parece que não vai durar. É pouco útil estar ficado numa espécie de jogo de apostas quanto à duração desta solução. Ela existe e é com ela que temos de lidar. 

Se os indicadores forem maus o CDS vai defender eleições antecipadas?

Nós temos vindo a alertar que este rumo não é um bom rumo. Esta posição tem a ver com dados objetivos. Cabe ao eleitorado também fazer a sua leitura desses resultados. O que nós temos dito é: as campainhas de alarme estão a tocar. Estão a tocar no Banco de Portugal, na OCDE, no FMI, aqui no Parlamento, nalguns partidos… Mas ainda não tocaram, aparentemente, na porta de outros partidos.

Nem na porta do Presidente da República…

O Presidente tem tido a posição que tem de ter neste momento, a bem da estabilidade. Não acredito que o Presidente da República, atento a todos os sinais, não esteja consciente daquilo que se vai passando e daquilo que vai chegando todos os dias. Ainda esta semana tivemos a revisão em baixa do crescimento, pelo Banco de Portugal. 

Esta liderança do CDS será avaliada nas autárquicas? 

As autárquicas não são o nosso exame para determinar se passamos ou não passamos, mas são um primeiro teste num exercício de avaliação contínua. Vai ser importante perceber qual é o resultado que temos, mas não é uma leitura determinante para o que se pode passar a seguir. 

O CDS sente-se confortável com a possibilidade de apoiar no Porto o mesmo candidato que os socialistas? 

Depende muito de qual é o projeto local e a identidade desse projeto. Também o PS pode, num apoio a uma candidatura local, mudar um bocadinho a sua política nacional. Essa geometria não impede que haja um entendimento.