Caso Lava Jato: português levou Petrobras para ‘buraco’ em África

Idalécio Oliveira procurou alguém influente na petrolífera brasileira para impingir um negócio, diz o MP. A proposta demorou a ser aceite porque muitos desconfiaram. O empresário é figura-chave na acusação do ex-presidente da Câmara dos Deputados do Brasil no caso Lava Jato.

As movimentações do empresário português apanhado na teia da Lava Jato, no Brasil, foram detetadas quando os investigadores entraram numa segunda fase e se aperceberam de que, além de um grupo de construtoras que lucravam sempre com os concursos públicos da Petrobras, havia mais quem andasse a arrecadar dinheiro da petrolífera estatal. Idalécio Oliveira – descrito no processo do Ministério Público (MP) Federal como um português de 64 anos divorciado nascido em Queirã-Vouzela – pediu em 2009 a João Henriques, ex-funcionário da Petrobras, que exercesse influências junto da empresa estatal brasileira. O português pretendia vender à Petrobras 50% dos direitos de exploração de um campo de petróleo detido por uma empresa sua na República do Benim (África).

Segundo as autoridades brasileiras, Idalécio tinha conhecimento de que aquele brasileiro, próximo do PMDB – partido de Eduardo Cunha presidente da Câmara dos Deputados afastado – fazia lobbying junto de diretores da petrolífera, nomeadamente junto de Jorge Zelada, diretor da área internacional.

“João Henriques atuava como operador do esquema criminoso instalado na Diretoria Internacional, cobrando e recebendo [os subornos] pagos na realização de negócios no interesse dessa diretoria, bem como repassando-os aos agentes políticos filiados ao PMDB que davam sustentação política à manutenção de Jorge Zelada no cargo”, referem os procuradores do MP de Curitiba na ação de improbidade administrativa contra Eduardo Cunha e restantes envolvidos no esquema, a que o SOL teve acesso.

Na Petrobras, houve quem questionasse idoneidade

Apesar das influências, o ‘ok’ da Petrobras neste negócio não foi fácil. Internamente, vários diretores questionaram a idoneidade do empresário português, desconhecido no setor do petróleo: “A Diretoria Executiva da Petrobras não aprovou imediatamente a proposta de aquisição de direitos exploratórios do campo do Benim como pretendido por Jorge Zelada, em virtude de questionamentos feitos pelos demais diretores a respeito da idoneidade e condições financeiras da empresa CBH e seu diretor Idalécio Oliveira”.

Os procuradores explicam mesmo que “era evidente” que o contrato de agenciamento celebrado entre Idalécio e Jorge Zelada – com a finalidade aparente de prestação de serviços de intermediação no negócio – “se prestava ao pagamento de vantagens ilícitas”. A investigação justifica o seu entendimento com o facto de ter ficado estipulado que cerca de um terço do valor total do negócio se destinaria ao pagamento do intermediário – ou seja, dos 34,5 milhões de dólares da venda, 10 milhões seriam, de acordo com o contrato simulado, para Zelada, uma “fração evidentemente desproporcional”.

O investimento no campo de petróleo africano acabou por se revelar tão ruinoso para a Petrobras que, além do investimento inicial, viria a acumular uma dívida de cerca de 47 milhões de dólares.

Mas há ainda outras pontas soltas exploradas pela investigação. Aquando do negócio, a empresa Lusitânia, de Idalécio Oliveira, (que controlava a CBH) estava sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal, e não se conhecia ao empresário qualquer “atividade lícita e regular”. Outro dos detalhes que faziam prever este desfecho, dizem os investigadores, é o facto de a CBH não possuir dados financeiros publicados e ter apenas seis funcionários: “Era destituída de saúde financeira para suportar o negócio entabulado”.

Um esquema, três ações

Nesta investigação estão em causa suspeitas da prática dos crimes de corrupção, branqueamento de capitais e evasão de divisas. No total, correm três ações, duas delas  criminais – uma contra Eduardo Cunha, no Supremo Tribunal (por ser deputado), e a outra contra os restantes quatro arguidos, que decorre na primeira instância. A terceira ação é de “improbidade administrativa”, ou seja cível, e decorre em Curitiba contra todos, incluindo Eduardo Cunha.

Na ação penal contra os arguidos que não gozam de foro privilegiado, além de Idalécio Oliveira, foram acusados Cláudia Cruz, mulher de Eduardo Cunha, Jorge Luiz Zelada, ex-diretor da área internacional da Petrobras, e João Rezende Henriques, intermediário das ‘luvas’, ligado ao PMDB.

Quanto à ação no Supremo contra Eduardo Cunha, ainda não há acusação e no que respeita à ação cível já foi pedido o arresto dos bens dos cinco e o MP pede o afastamento das funções políticas e da contratação pública.

O circuito das ‘luvas’

A acusação da equipa do MP de Curitiba considera que a petrolífera CBH, controlada por Idalécio, vendeu em 2011 (dois anos depois do início das conversações) à Petrobras os direitos de exploração do campo de petróleo por 34,5 milhões de dólares. O dinheiro entrou a 3 de maio de 2011 na conta da CBH e nesse mesmo dia foi feita uma transferência de 31 milhões de dólares da CBH para a Lusitania Petroleum (a sociedade de Idalécio que detinha a CBH).

Dois dias depois, a partir da conta da Lusitania, foi feito o pagamento das ‘luvas’: 10 milhões de dólares para a offshore Acona, de João Rezende Henriques – ou seja, perto de um terço do valor que tinha saído da Petrobras regressava assim à esfera do brasileiro que fez lobbying e que é ligado a Cunha.

Os dez milhões não tinham, porém, como destinatário final João Henriques, mas sim quem tinha viabilizado tal investimento. Foi nessa sequência, defende a acusação, que em junho de 2011 parte do dinheiro – cerca de 1,5 milhões de dólares – saiu da Acona para a offshore Orion SP, controlada por Eduardo Cunha.

“Para dar continuidade ao estratagema criminoso e dificultar a identificação dos recursos ilícitos por parte das autoridades, em 11 de abril de 2014, a offshore Orion SP repassa para a conta Netherton, cujo beneficiário final também era Eduardo Cunha, 970.261,34 mil francos suíços e 22.608,37 (euros). Na sequência, em agosto de 2014, houve a transferência de 165 mil dólares da conta Netherton para a offshore Köpek, em nome de Cláudia Cruz”, esclarece a investigação.

A equipa de Curitiba que investiga o caso Lava Jato defende, por isso, que “as contas de Eduardo Cunha escondidas no exterior eram utilizadas para, em segredo, a fim de garantir sua impunidade, receber e movimentar propinas (’luvas’), produtos de crimes contra a administração pública praticados pelo deputado”.

Dos 10 milhões de dólares pagos pela empresa de Idalécio – tirando os 1,5 milhões que acabaram na esfera de Eduardo Cunha – sobraram ainda 8,5 milhões. Dinheiro que “foi distribuído para diversas outras offshores cujos beneficiários ainda não foram identificados, havendo suspeitas de que outros agentes públicos receberam propinas nessa operação”.

Eduardo Cunha tentou esconder ‘luvas’ de Idalécio

O presidente da Câmara dos Deputados, entretanto afastado do cargo, tentou ao longo dos últimos anos esconder do Fisco brasileiro as suas offshores, pedindo até que os bancos o contactassem através de uma morada nos EUA.

“Era tamanha a intenção do deputado federal Eduardo Cunha em ocultar a titularidade das contas mantidas na Suíça que, em formulário próprio, solicitou o encaminhamento de correspondência da instituição financeira para endereço nos Estados Unidos, sob a alegação de que o serviço postal em seu país de origem ‘não seria confiável’”, referem os investigadores na ação cível consultada pelo SOL.

Os investigadores argumentam ainda que Cunha mentiu no ano passado, durante a comissão parlamentar de inquérito à Petrobras. Na altura, assegurou: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda; e não recebi qualquer vantagem ilícita ou qualquer vantagem com relação a qualquer natureza vinda desse processo”.

Além dos processos na Justiça, Cunha enfrenta ainda uma proposta de cassação do seu mandato, feita pelo conselho de ética do Congresso. Após este primeiro passo, aguarda-se agora que o caso seja levado ao plenário da Câmara. A cassação definitiva só acontecerá se houver maioria absoluta, ou seja, o voto favorável de pelo menos 257 dos 573 deputados. Caso isso aconteça, a ação penal que corre no Supremo descerá à primeira instância, uma vez que Eduardo Cunha perderá assim os privilégios de eleito.