Brexit. Portugueses no Reino Unido descrevem reações de colegas britânicos

Desiludidos, surpresos, confusos e muito expectantes. É este o estado de espírito dos britânicos – pelo menos, dos amigos e conhecidos dos cinco jovens portugueses que vivem em diferentes zonas do Reino Unido com quem o i falou. Teresa Rodrigues, dentista no País de Gales, descreve pacientes em lágrimas. E teve até uma colega, de Liverpool,…

Sofia Pitta Lopes, 25 anos, gestora de conta na Bloomberg. Trabalha em Londres há três anos e mora em Marylebone, Camden. Nesta zona londrina, os britânicos foram expressivos: 75% votou a favor da permanência.

 “A maioria dos meus colegas e amigos britânicos era contra a saída, o que se refletiu bem nos resultados da votação em Londres. Creio que ninguém estava à espera deste resultado dentro do meu círculo de amigos e colegas. Quando cheguei ontem ao escritório, notei muita agitação, misturada com sentimentos de desilusão. Muitas pessoas estavam à frente do mesmo ecrã a comentar a volatilidade absurda dos mercados, com ações de bancos a cair a pique, a libra nos valores mais baixos desde há 30 anos e as dívidas soberanas de países periféricos da UE a serem afetadas também negativamente. Enfim, há muita incerteza. Nas ruas não se fala de outra coisa senão do Brexit. Notei isso tanto no escritório, como em conversas no metro quando estava a voltar para casa, ou no restaurante onde almocei. E muito também nas redes sociais. Sinceramente, nunca acreditei que o Brexit pudesse vir mesmo a acontecer. No entanto, não penso em sair daqui.  Tal como o Mayor de Londres, Sadiq Khan, já frisou, "há cerca de um milhão de cidadãos europeus que vivem em Londres, e que trazem enormes benefícios para a cidade", e estes cidadãos "são muito bem-vindos". Acredito que não vai haver consequências notórias fruto do Brexit para pessoas como eu, que estão a viver em Londres há menos de cinco anos e que, por isso, ainda não têm residência permanente. Posto isto, não faria muito sentido alterar o meu percurso profissional e objetivos de carreira. Não posso, no entanto, esconder um sentimento de desilusão para com esta decisão que afectará com certeza todos nós".

 

Sara Loureiro da Luz, 25, é médica dentista em Leeds, Inglaterra, desde 2014. Também aqui ganhou a permanência do RU na União Europeia.

“As pessoas que me rodeiam sentem frustração. Sentem que este resultado implicará mudanças no rumo do país e inevitavelmente nas suas vidas que não desejavam. Há também um sentimento geral de desilusão por também verem os seus princípios morais e sociais vencidos. Vi muitas pessoas que votaram para sair afirmarem que não estão certas de que terá sido a melhor decisão. Achei até engraçado terem havido tantos a admitir isto publicamente. Tenho assistido a discussões muito intensas, tal como era de esperar. O referendo transcende a política, é muito mais um referendo social, moral e pessoal uma vez que vai afetar de forma tão drástica a vida dos britânicos e da grande população estrangeira que se instalou no país. Já no final do dia, no ginásio onde treino, repetia-se a mesma conversa. A população jovem encontra-se muito preocupada com os preços das coisas, nomeadamente das viagens!  Pessoalmente, sou da opinião de que a minha opinião sobre o Brexit não deve contar. Sou uma portuguesa na Grã-Bretanha, portanto um referendo cuja principal preocupação é o controlo das fronteiras do país, é um referendo no qual eu nado posso nem devo participar. Mas claro que pondero alterar o meu percurso aqui após o referendo. A minha decisão de saída do país apoiou-se precisamente nesta relação aberta entre o RU, Portugal e o resto da Europa. Com o RU fora da UE, nunca teria considerado deixar Portugal. Resta saber agora o que vai acontecer, está tudo em aberto”.

 

Renato Garrau, 31, é gestor de marketing. Em Londres há dois anos, após ter residido outros tantos em Amsterdão, reside na zona de Notting Hill onde os ingleses também preferiam ficar na UE.

“A grande maioria dos meus amigos era a favor da permanência do Reino Unido, estão em estado de choque. Nas ruas, as pessoas claramente  só falam sobre este assunto e sentem-se incomodadas com o mesmo, especialmente no centro de Londres e na City, onde o resultado esta a ter grande impacto. Acho que o David Cameron arriscou muito com o referendo. Quanto à campanha, não foi a melhor em termos de clareza.  Isto de ambos os lados. Acredito mesmo que juntos somos mais fortes e que este foi um erro que irá ter um impacto a longo prazo, mas confesso que nunca acreditei neste desfecho. Sempre tive uma perspetiva muito positiva acerca do resultado e sempre esperei que os indecisos votassem contra."

 

Diogo Leonel Goncalves Ferreira de Brito, 28 anos é controlador financeiro. Mora há dois anos e meio no Reino Unido, antes trabalhou três anos em Angola. Atualmente, reside no condado de Hammersmith and Fulham, na zona de Chelsea, um local, como o próprio descreve,  “tido como a zona "posh" de Londres e dominada pelos conservadores”.

“Londres é a cidade mais 'europeia' do Reino Unido, habituada ao ‘melting pot’ de pessoas, nacionalidades, religiões, crencas e valores. A votação a favor da União Europeia demonstra em muito a posição desta cidade. Com uma população maioritariamente jovem, esclarecida e progressista, os londrinos estão devastados com a decisão da grande maioria do resto do país. Observei colegas de trabalho e amigos assustados e completamente estupefactos com os acontecimentos (envolvendo ataques de pânico, raiva e muita indignação com choros à mistura). No entanto, como normal, existem também opiniões contrárias. No entanto, a maioria dessas pessoas seguem todos um modelo muito similar. São "migrantes" no próprio país, oriundos de famílias profudamente conservadoras e nacionalistas. A sua opinião é muito construída à base do que ouviram em casa. Há muito tempo que se falava do Brexit. Em Londres a sensação de "medo" estava instalada há vários meses, até pelo que aconteceu nas últimas eleições em que  David Cameron ganhou à custa da promessa de dar este referendo à população. A maioria dos londrinos era da opinião de que não devia haver referendo.  Tinham medo que se usasse o voto de forma pouco informada, com base na emoção. Muitos londrinos têm medo do resto do país e alguns deles não se sentem parte dele, para além de acharem que está decisão reflete o descontentamento com a política interna e não com a política europeia.  No entanto, eles têm um sistema democrático há mais de 300 anos e hoje sofrem na pele a sua exímia aplicação. Embora seja totalmente contra a decisão tomada, sou defensor da Democracia e a decisão (boa ou má) foi tomada pelo povo! Pessoalmente sou contra, sou adepto do projeto europeu. Temo que tenha sido uma decisão catastrófica.  Estamos a viver um momento de enormes decisões, com o crescimento de alas fascistas de direita por todo o mundo, desunião entre os países, ataques a direitos fundamentais e humanos, crescimento da islamofobia, racismo e xenofobia. Este é, a meu ver, mais uma emergência destes movimentos. E a nível interno temo que o Reino Unido não seja tão grande como  quer fazer demonstrar e que a economia possa colapsar. Sendo defensor da Europa e residente em Londres, na verdade, não esperava (ou não queria) tal desfecho. Mas também não me surpreende! Agora, o meu futuro aqui dependerá da situação económica deste país e, obviamente, de todos os entraves que possam surgir – e que acredito que vão surgir – quanto à minha permanência.  Sempre me considerei um cidadão do mundo, apesar de o Mundo nos querer cada vez mais encurtar os movimentos.  Tenho medo do que se está a passar e também do que poderá acontecer se os Estados Unidos elegeram o Trump. Confesso que estou totalmente "perdido" quanto ao que vai acontecer com os meus projetos de vida. O futuro o dirá…”

Teresa Rodrigues, 26 anos, também médica dentista, trabalha há quase dois anos em Aberystwyth, um dos cinco condados do País de Gales que pediu a permanência – os restantes 17 escolheram sair.

“Os meus colegas estão muito confusos, um pouco revoltados – não entendem como é possível arriscar o futuro do país desta maneira, a maioria votou 'remain', mas existem as exceções que votaram out. Dos poucos que conseguem explicar porque querem sair, a razão maioritária é o controlo da emigração. A maioria dos meus colegas são estrangeiros, que já estão cá há muito tempo – estão preocupados com coisas como a subida dos impostos e a desvalorização da moeda. Os que têm filhos vão pedir dupla nacionalidade. Uma colega de trabalho cuja família é de Liverpool foi contatada pelo pai a meio do dia – estava bastante alterado e estava a ligar para marcar uma reunião familiar. Objectivo: pedir nacionalidade irlandesa (a avó paterna é irlandesa). O senhor chegou a dizer à filha para parar de trabalhar, segundo ele não vale mais a pena. Também tive dois pacientes em lágrimas quando o assunto foi mencionado – são estudantes de pós-graduação na Universidade e os projetos em que trabalham dependem de fundos europeus. Para mim, o Brexit foi algo que a certa altura deu vantagem ao Reino Unido nas negociações com a Europa, pos surgiu como uma ameaça. Como é óbvio tomou proporções completamente inesperadas. As verdadeiras consequências não são para já, mas para um futuro a médio-longo prazo, 2-10 anos. Na minha opinião, o resultado do referendo demonstra falta de informação e de espírito crítico da maioria do povo britânico, principalmente do País de Gales e a influência que, por exemplo, meios de comunicação social têm. Mas eu acreditava neste desfecho por ouvir as opiniões dos que me rodeiam. Não tenho televisão em casa, mas estive em casa de uma amiga e assisti a um momento de propaganda eleitoral – era um vídeo que mostrava uma senhora a levar a sua mãe idosa ao hospital, eram apresentados dois cenários comparativos, um em que o RU continuava na UE  e outro em que saía (sendo o objetivo demonstrar como o sistema nacional de saúde (NSH, na sigla inglesa, iria funcionar em ambos os cenários). No primeiro, a senhora era mal recebida e depois de aguardar durante horas numa sala de espera cheia e mal cuidada, era atendida por um médico de aparência estrangeira e demonstrava não estar satisfeita com os cuidados obtidos. No segundo cenário, a senhora era atendida por uma rececionista sorridente, não tinha de aguardar na sala de espera – que estava quase vazia -, e era atendida por um médico de aparência britânica, saindo depois curada do hospital. A teoria é que o NHS teria mais fundos, para ter mais staff e mais serviços. Além disso, não existiriam tantos imigrantes a usufruir dos serviços (no primeiro cenário a sala de espera estava cheia de pessoas com aparência estrangeira).Eu trabalho para o NHS, a minha clínica tem sete dentistas, nenhum é britânico. No centro de saúde em que sou utente, existem cinco médicos de família, um é britânico. Desde que cá estou, fui à urgência do hospital local uma vez, apenas um membro do staff médico que me atendeu era britânico”.