Bill Cunningham. O fotógrafo irrepetível

Ícone da street fashion, que foi pioneiro a fotografar, Bill Cunningham era uma das figuras mais emblemáticas da cidade de Nova Iorque. Morreu na semana passada, aos 87 anos, sem nunca ter deixado de fotografar – nem de andar de bicicleta

Bill Cunningham. O fotógrafo irrepetível

Há lugares que uma vez deixados vazios são impossíveis de voltar a preencher e Bill Cunningham é isso. Ele a pedalar por Nova Iorque, casaco azul, máquina ao peito e o acontecimento que era quando ele parava para fotografar, como recordou a modelo norte-americana Gigi Hadid no Instagram: “Lembro de quase me ter deixado deslumbrar da primeira vez que o Bill parou à minha frente com a sua máquina. Foi uma honra. Ele contava histórias incríveis e icónicas da moda da vida real com as suas fotos, e o seu espírito viverá para sempre na indústria.”

Uma carreira na moda que não veio da fotografia, veio da moda mesmo. William John Cunningham Jr. nasceu em 1929 em Boston, cidade que nunca desapareceu do seu sotaque, onde cresceu com uma educação profundamente católica e foi mesmo nesse mundo que despontou o seu interesse pela moda. “Nunca consegui estar concentrado na missa aos domingos”, contou num texto que escreveu sobre si próprio no “New York Times”, jornal em que trabalhou nos últimos 40 anos. “Estava sempre concentrado nos chapéus das senhoras.” E foi a desenhar chapéus, assinando William J., um dos seus primeiros trabalhos em Nova Iorque, para onde se mudou depois de desistir de Harvard ao fim de apenas dois meses. Ocupação interrompida pelo serviço militar, que o levou a França, mas depois do regresso, em 1958, já o “New York Times”, sempre o Times, escrevia sobre os seus chapéus, como “dos mais bonitos que se podia imaginar”, daí que não seja de estranhar que tivesse Marilyn Monroe ou Katharine Hepburn como clientes.

Uma coisa leva a outra e Cunningham começou entretanto a escrever, primeiro no  “Women’s Wear Daily”, depois no “Chicago Tribune”, sempre sobre moda. Foi por ele que os americanos conheceram nomes como Azzedine Alaïa ou Jean Paul Gaultier, por exemplo, numa altura em que começou também a fotografar, como autodidata, o que as pessoas vestiam na rua, coisa a que mais tarde se viria a chamar street fashion, conceito que na verdade ajudou a cunhar por ter sido o primeiro a fotografar.

Num daqueles momentos que mudam a vida de uma pessoa quando ela menos espera, foi uma fotografia que tirou à atriz Greta Garbo que chamou a atenção do “New York Times”, em 1978, onde começou a publicar regularmente numa rubrica chamada “On The Street”. O resto é história, mas há uma que importa contar, ainda sobre essa fotografia em que Cunningham não percebeu quem estava a fotografar, só no que Garbo vestia, segundo contou mais tarde, citado pelo “Washington Post”: “Pensei: ‘Olha para o corte daquele ombro, é tão bonito.’ A única coisa em que reparei foi no casaco e no ombro.”

“O que lhe interessava não eram as estrelas”, disse ao “Page Six” o relações públicas de celebridades R. Couri Hay. “Se tivesses um bom vestido e soubesses como usá-lo, ele fotografava-te.” O mesmo tinha dito já o próprio em 2008 quando em França foi distinguido com a Légion d’Honneur. “Não estou nisto pelas celebridades nos seus vestidos. As roupas, a arte, o corte, o novo corte, a inspiração, os tecidos -isso é tudo. São as roupas, não são as celebridades nem é o espetáculo.”

Cunningham, diz-se, nunca quis ser pago pelos seus trabalhos de fotografia por acreditar que dessa forma o seu olhar sobre as ruas de Nova Iorque nunca se comprometeria. “O dinheiro é a coisa que menos vale, a liberdade e a independência são as mais caras”, disse o próprio no documentário “Bill Cunningham New York”, em que Richard Press o acompanhou no seu dia a dia durante o ano de 2008. Da mesma forma que repetia que aquilo que fazia não era trabalho, era prazer. “Ele queria encontrar assuntos, não ser o assunto”, recordou o “New York Times”. “O ascetismo era a sua marca.”

No “New York Times” Bill Cunningham, nome ímpar e insubstituível da moda e da fotografia de rua e com a sua bicicleta um dos maiores ícone da cidade de Nova Iorque, continuou sempre a fotografar. até morrer, no fim de semana passado, aos 87 anos, pouco depois de ter sido hospitalizado com um AVC. “Aos 87 anos, continuava a pedalar por Nova Iorque e a recusar as minhas ofertas para partilhar táxi”, recordou no Instagram Suzy Menkes, editora da Vogue internacional, quando recebeu a notícia da sua morte. “Até quando nevava.”