Portugal está na final do Euro2016

Talvez seja verdade que os maus hábitos são fáceis de adquirir e difíceis de abandonar.E talvez isso explique porque é que a seleção nacional teve de sofrer tanto e vegetar em tantos minutos de monotonia para assegurar um triunfo que deveria ter sido mais tranquilo. Mas cumpriu-se o sonho de Paris!

E eis que a estrada de tijolos amarelos levou Portugal até Paris, onde existe, algures, um arco-íris vermelho e verde. Pela segunda vez na sua história, que já data de 1921, a Seleção nacional estará presente na final de uma grande competição. Poderia ter sido mais alegre e mais vistoso, esse caminho? Sem dúvida. Mas quantas vezes não tivemos equipas fascinantes derrotadas de forma triste e até incompreensível? Quantas vezes as lágrimas se sobrepuseram à felicidade?

É um Portugal de resultados este que vai disputar, no domingo, no Estádio de Saint-Denis, o título de melhor equipa da Europa. E foi com uma vitória (o mais lindo nome português, como escreveria Manuel Alegre, meu mestre e meu amigo) límpida, suave e clara, como os olhos da Michelle Pfeiffer, que chegou ao ponto mais alto de um sonho que a trouxe desde Lisboa ao colo da história que soube fazer. E que nos faz esquecer por uns tempos o exagero da sua melancolia e a verdade dos momentos apenas banais.

Se o fado é um poema ajudado, diga-se que uma brisa de fortuna ajudou Portugal até ao momento desta meia-final, atirando-o para um terceiro lugar dececionante na fase de grupos – mas, ao mesmo tempo, arredando-o do caminho dos grandes tubarões que nadaram nas águas deste Campeonato da Europa. Não se adivinhe, do que escrevo, alguma tentativa de lançar demérito sobre a carreira da equipa das quinas, ainda por cima quando outro dos semifinalistas, a França, do alto de todo o seu orgulho, teve até hoje pela frente Roménia, Suíça, Albânia, Irlanda e  Islândia. “Pas mal du tout”, convenhamos. Ainda que tenha agora de se bater com a imperial Alemanha, campeã do mundo em título e a grande favorita na conquista deste título europeu.

Problema deles. Portugal sabia ao que vinha e  não foi certamente por acaso que Fernando Santos atirou de chofre que se estaria pura e simplesmente nas tintas de passar eliminatórias à custa de prolongamentos e de penáltis se isso o levasse até Paris e ao sonho gigantesco de ganhar.

Mas aceitemos, do mesmo modo, que uma equipa que quer ser campeã seja do que for também deve, para respeito com quem a segue e até consigo própria, exibir-se ao nível do que  a palavra campeão acarreta. É o que se chama responsabilidade pelas expectativas que consigo arrasta, expectativas que transcendem os próprios adeptos e se estendem à crítica internacional, tão dura sempre nas suas avaliações.

No início… O costume. Se alguém acreditou que ontem podia ser o dia de Portugal fazer as pazes com os deuses do futebol, que são aos milhares, como se sabe, e reatar o seu namoro com a bola, no fundo aquela menina que merece ser mais bem tratada durante os 90 minutos de uma partida, cedo se desencantou. O jogo começou por arrastar-se e continuou a arrastar-se. Confirma-se que os maus hábitos são fáceis de adquirir e difíceis de abandonar. Esta Seleção portuguesa ganhou o mau hábito de não se assumir, de exagerar no passa e repassa sem objetividade, na espera insistente pelos erros adversários. Parece não haver nada a fazer, por mais que as caras vão mudando no corpo do conjunto. 

Não foi de admirar, portanto, que os lances mais “perigosos” do primeiro quarto de hora (e, desculpe-me o leitor, mas este “perigosos” tem direito a aspas e a dobrar) fossem construídos pelos galeses. Nada de significativo, mas uma exibição, ainda que pobre, de mais vontade. Medo? Sim. Não há que ter receio da palavra. Medo demais, numa e noutra equipa. E aquela paciência de Job que Fernando Santos parece ter trazido lá da Grécia, onde também foi selecionador, a paciência de esperar, esperar sempre, como se soubesse de dado certo que haveria um pote de ouro lá no fim do arco-íris da eterna esperança.

Os adeptos que vieram desse estranho País de Gales, cantavam afinados: “Don’t take me home/Please don’t take me home”. E o canto caía sobre a tarde monótona que se transformava em noite a ameaçar comprida lá para os seus minutos complementares dos sempre indesejáveis prolongamentos aos quais Portugal se parece ter afeiçoado como se um cachorrinho abandonado se tratassem.

Mexer para ficar na mesma Fernando Santos voltou a mexer na equipa, desta vez porque também foi obrigado a isso por via da lesão de Pepe e da suspensão de William Carvalho. Para o lugar do central do Real Madrid entrou (surpreendentemente) Bruno Alves, por acaso o único jogador de campo que não cumprira sequer um minuto até aqui; no meio campo, tivemos Renato Sanches puxado para a direita (embora inclinado a puxar-se a si próprio para o centro), com Danilo nas costas de Adrien e com João Mário mais sobre o lado esquerdo.

Sem o seu ‘mestre de obras’, Aaron Ramsey, Chris Cole entregou maioritariamente a tarefa de construir a Joe Allen – que de início se mostrou perdulário, de tal forma que não tardou a ver um amarelo quando procurava emendar um erro primário por ele mesmo cometido. Mas compôs-se. E foi o mais criativo dos jogadores em campo durante longos nacos de tempo. Chegaria? Difícil responder a uma pergunta assim quando um jogo se transforma num cofre de ferro fechado a sete chaves e com um código que ninguém conhece. Soubemos mais tarde: não chegou!

À vista desarmada, as duas equipas pareciam sentir-se confortáveis nos seus papéis menores. Sem ambições que ultrapassem as suas próprias debilidades. Era preciso que de repente viesse um pássaro que abrisse o céu, como diria Alexandre O’Neill. A noite escurecia nos céus suburbanos de Lyon e as nuvens acumulavam-se sobre o estádio do sono.  Sim, bem mais do sono do que dos sonhos, embora eles se mantivessem em aberto na almofada fofa a que galeses e portugueses se encostavam.

“Please don’t take me home…” Conceda-se: por sobre todo  o pragmatismo reinante que fazia da meia-final de Lyon uma grandessíssima estucha, benza-a a Deus, ergueu-se altivo e implacável Cristiano Ronaldo. O seu golo foi lindo. Lá no alto, como um Cristo ressuscitado, voando sobre todo o País de Gales, sobre  a miséria dos primeiros 45 minutos, sobre a falta de coragem que amarrava os portugueses a um empate mazombo e bisonho. Nesse momento, sentiu-se que as coisas iriam mudar. E como mudaram! Três minutos depois, Nani desvia um remate do mesmo Ronaldo, para os 2-0. A  vitória está à beira de ser definitiva – e que bonita é a palavra vitória. Três minutos somente, e os galeses sofrem. Há um claro desencanto por entre os homens das cidades com nomes impronunciáveis, príncipes, dragões vermelhos e o diabo a quatro.

“Don’t take me home”, cantam os seus adeptos. Uma das canções deste Europeu. Não querem voltar para casa. Querem ficar neste sonho que se mantém vivo desde o início  da competição. “Don’t take me home/Please don’t take me home/I just don’t wanna go to work/I want to stay here and drink all the beer/Please don’t take  me home”.

Mas chegou o tempo de regressarem. Portugal cumpria o sonho da final. Sonho sonhado com tanta antecedência e que andou em banho-maria de tantos equívocos. Levam consigo uma alegria contagiante e um comportamento de quem sabe amar o jogo acima de tudo. Já de nada lhes serve o esforço e a combatividade celta. O caminho de Paris tem tijolos amarelos e, algures, no fim dele, um arco-íris vermelho e verde.