Alunos do 1º ano vão ter de devolver manuais ‘oferecidos’

O Ministério disponibilizou o financiamento e agora são as escolas a gerir a entrega de manuais escolares de forma gratuita aos alunos do 1.º ano. As editoras, porém, falam em «desigualdade social» no acesso à educação e dizem que o Estado não está a dar, mas sim a emprestar os manuais.

Alunos do 1º ano vão ter de devolver manuais ‘oferecidos’

A dois meses do início do novo ano letivo, os pais com alunos a iniciar o primeiro ano do primeiro ciclo viram confirmar-se a promessa. O Governo vai mesmo avançar com a entrega de manuais escolares gratuitos para todos os alunos a iniciar o seu percurso escolar.

Em março, quando a medida foi anunciada, o Executivo previa um custo de três milhões de euros, dinheiro que será distribuído pelas escolas, conforme as suas necessidades. «O processo de aquisição dos manuais está centralizado nas escolas, no mais profundo respeito pela sua autonomia, pelo que serão estas a garantir que os manuais cheguem os a cada um dos alunos», explicou o ministério, numa resposta enviada ao SOL. 

80 mil alunos no 1º ano

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), confirma ao SOL que todo o procedimento está agora nas mãos das escolas.

Feito o levantamento do número de alunos que irão frequentar o 1.º ano do 1.º Ciclo no próximo ano letivo – e que o ministério estima que se aproxime das 80 mil crianças – a etapa a seguir passa por distribuir o dinheiro consoante as necessidades. «Com os valores já anteriormente autorizados, cada escola faz agora a requisição do dinheiro que precisa para que todos os alunos tenham direito aos manuais escolares», explica o responsável.

Em data mais próxima do início das aulas, cada escola entregará aos pais uma credencial para poderem levantar os livros numa livraria local. O ministério não tem dúvidas: «Os manuais escolares serão disponibilizados aos alunos  do 1.º ano do 1.º Ciclo a tempo do início do ano letivo».

Editoras criticam medida

O ministro Tiago Brandão Rodrigues lembrou esta semana, no Parlamento, as dificuldades no processo de negociação com as editoras. «Havia um precedente complexo entre o Governo e a APEL [Associação Portuguesa de Editores e Livreiros]», explicou, aludindo ao convénio que permitiu, durante os últimos quatro anos. «Conseguimos que o atual convénio – agora de dois anos –  assegure que não haverá aumentos no primeiro ano e que no segundo o preço esteja indexado à inflação», acrescentou.

Recorde-se, porém, que em março, aquando da divulgação da medida, a APEL alertou para os «graves impactos económicos» que a gratuitidade dos manuais escolares no 1.º ciclo terá para o setor, antecipando a «destruição do tecido livreiro em Portugal». Em comunicado, a associação fez questão de referir também que, durante o processo negocial com o governo, alertou quem de direito para «os graves impactos económicos» que o congelamento dos preços terão no setor do livro.

Agora, com a medida a poucos meses de se tornar real, fonte ligada à APEL alerta também para uma possível promoção da desigualdade social no acesso à educação. «Na verdade, o Governo não está a dar os manuais, está a emprestar os manuais», explica a associação ao SOL, justificando as declarações com  a nota informativa divulgada pelo Governo sobre o tema, na qual o Ministério da Educação lembra que o aluno deve devolver os manuais em bom estado à escola, no final do ano letivo «Até agora, os alunos das famílias mais carenciadas – 30% dos alunos a frequentar o ensino básico e secundário público –  recebiam os livros através da Ação Social Escolar e podiam ficar com eles, quando agora têm que os devolver», refere a mesma fonte, lembrando ainda que «os restantes alunos, cujas famílias têm possibilidade de adquirir os livros, beneficiam desta gratuitidade».

Alargar a outros anos

Com base no aparente desbloqueio entre Governo e editoras, sobre o qual o ministério focou o seu discurso, Tiago Brandão Rodrigues fala no alargamento desta medida a outros anos de escolaridade.

Ao SOL, o ministério garante que isso vai acontecer «de forma gradual, durante a presente legislatura». Para o efeito, encontra-se constituído um grupo de trabalho que reúne representantes governamentais e da administração pública da Educação, Economia e Assuntos Parlamentares, bem como do Conselho de Escolas e  associações representativas dos pais e encarregados de educação, autarquias locais e editores e livreiros. Segundo nota enviada pelo ministério, este grupo tem como missão «a definição do programa de aquisição e reutilização de manuais escolares bem como o âmbito e ritmo da sua a implementação».

Gratuitidade não é para todos

Como representante dos diretores de escolas, Filinto Lima aplaude a medida, lamentando apenas a forma «lenta» como vai ser implementada: «Se abranger um novo ano de cada vez, só daqui a 11 anos é que os manuais gratuitos chegam a todos os alunos».

Além disso, e pegando no exemplo da sua cidade, Vila Nova de Gaia, o responsável acredita que, mais do que aliviar os pais, esta é uma medida que vem aliviar as câmaras. «Há muitos anos que são as autarquias quem paga os livros de todo o primeiro ciclo e, mais recentemente, dois dos manuais de quem frequenta o 2.º e 3.º ciclos», explica, lembrando que este é um exemplo replicado um pouco por todo o país.