DAESH em desespero aterrorizante

Perdas consecutivas no califado geram aumento de ataques no exterior. África é aposta de sobrevivência.

DAESH em desespero aterrorizante

Foi o mais mortífero ataque registado ao longo dos 13 anos de violência a que o Iraque está sujeito desde a invasão liderada por George W. Bush em 2003. Uma carrinha repleta de explosivos rebentou junto ao mercado de Karada, em Bagdade, na noite de sábado, quando famílias inteiras estavam no local a «vingar-se» de um dos últimos dias de jejum do Ramadão 2016.

Ontem, cinco dias depois do ataque, o Ministério da Saúde iraquiano voltou a atualizar o saldo de vítimas mortais, aumentando-o para 292. Horas antes, na capital do Bangladesh, 20 civis e dois polícias também acabaram mortos depois de um tiroteio seguido de sequestro num restaurante de Daca. Isto poucos dias depois de três bombistas suicidas terem espalhado o caos no aeroporto internacional de Istambul, Turquia.

Todos os ataques acabaram reivindicados pelo Estado Islâmico, o grupo de radicais sunitas que em 2014 espantou o mundo ao autoproclamar um califado no vasto território da Síria e do Iraque que tinha passado a controlar face à anarquia instalada por guerras sectárias intermináveis.‘Ataques desesperados’«Assiste-se ao declínio do número de combatentes estrangeiros nas fileiras do EI. Do ponto de vista deles, estes são ataques desesperados. Mas são ataques que cumprem o seu objetivo o que indica que podemos esperar mais», disse ao USA Today Daniel Byman, especialista da Brookings Institution para o Médio Oriente. E cumprir o objetivo, neste caso, significa não só conseguir infligir baixas ao inimigo – algo que passou a ter dificuldades em fazer no conflito militar no Médio Oriente, principalmente desde o início dos bombardeamentos da coligação internacional liderada pelos EUA – como principalmente no mediatismo que atraem, que por sua vez é fundamental para o grupo continuar a ter capacidade de atrair novos membros.

«Os ataques terroristas têm uma finalidade quase única que é o mediatismo – quanto mais melhor», confirma ao SOL Gustavo Plácido dos Santos, investigador no Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS) .«No Médio Oriente estão encurralados, com a Síria a ganhar terreno, o Iraque a ganhar terreno, o Irão a ajudar em grande», constata o especialista antes de recordar outro dado importante na balança de poderes na região – «estão também a perder protagonismo para a Al-Qaeda», lembra em referência a um reaparecimento do grupo do falecido Osama Bin Laden, que esta semana levou Barack Obama a anunciar que deixará mais militares no Afeganistão do que inicialmente previsto.E a alternativa que o grupo sunita está a explorar é a África Ocidental, que é visto como «local privilegiado para voltar a ganhar preponderância e algum financiamento».

Isto depois de tentarem ocupar o lugar da Al-Qaeda no corno de África, apesar das juras de fidelidade da milícia local Al-Shabbab à Al-Qaeda. «Sabe-se que o Daesh fomentou um grupo dissidente do Al-Shabbab, que jurou fidelidade ao EI, mas esse grupo não está a conseguir apelar às populações. Aliás já foram perseguidos pelo Al-Shabbab e muitos foram chacinados», relata o investigador perito em temas de segurança no continente africano. Sobra África Ocidental, porta de entrada para um Sahel que «é uma região onde podem ter alguma vantagem». Plácido dos Santos lembra que a «Al-Qaeda enfrenta ameaças na região, com a presença da França no Mali, ou a coligação contra o Boko Haram que conta com Chade, Nigéria e Camarões».

E aí contam com o apoio do principal grupo terrorista da região, precisamente o Boko Haram. O EI prepara-se então para disputar com uma enfraquecida a al-Qaeda o controlo de «fontes de financiamento derivadas do tráfico ilegal, seja de armas, drogas, tabaco, o que seja». Porém, o investigador português alerta que «África nunca será o eixo do califado, pois as escrituras religiosas não falam da região como eixo». E mesmo que se imponha como uma região importante para o financiamento do grupo, o objetivo será sempre usar esses fundos para dar capacidade ao grupo no Médio Oriente.Inspirar jihadistasEnquanto não recupera a forma de voltar a ter capacidade para gerir o território ‘sagrado’, o grupo vai sobrevivendo no mapa mediático graças aos ataques que a sua ideologia vai espalhando por todo o mundo.

Ideologia porque muitos dos terroristas que acabam a jurar aliança ao EI antes, durante ou depois dos seus ataques nunca terão recebido qualquer orientação direta do grupo. Foi essa a crença manifestada pelas autoridades norte-americanas quando, a 12 de junho, um norte-americano de ascendência afegã matou 49 pessoas e feriu outras 53 num ataque a uma discoteca gay da cidade de Orlando.

«Fomos incapazes de descobrir alguma ligação», disse o líder da CIA sobre a suposta filiação de Omar Mateen ao Estado Islâmico, proclamada pelo próprio em chamada para a Polícia durante as horas em que manteve como reféns dezenas de clientes do bar.O mesmo John Brennan, líder da principal agência de segurança dos EUA, afirmou na semana passada que a CIA conhece a existência de «milhares de indivíduos apoiantes do EI espalhados não só no Médio Oriente, como na África Ocidental, Sudeste asiático e outros locais».

Foi essa rede que permitiu ao grupo reivindicar os ataques no Bangladesh – que espantaram as autoridades locais devido ao perfil dos atacantes, na sua maioria jovens licenciados e até o filho de um dirigente do Governo – e na Turquia, onde o ataque ao aeroporto foi apenas o último de uma lista que se alarga de semana a semana. Apoios que não surgem apenas pela simpatia pela causa, pois não são raros os apelos dos líderes do EI a este tipo de ataques. Em abril, o porta-voz do EI Abu Muhammad al-Adnani, divulgou na internet um discurso de 31 minutos, dirigindo-se aos apoiantes do EI espalhados pelo mundo: «A mais pequena ação que conseguirem fazer no coração da terra deles é mais importante para nós do que qualquer coisa que façamos aqui. Não há inocentes no coração da terra dos cruzados».