Theresa May. Agora já só dá para ser a Thatcher 2.0

Um amigo de faculdade lembra que Theresa May queria ser a primeira mulher a chefiar o governo britânico. Agora chega ao cargo depois de uma longevidade histórica no ministério a que os britânicos chamam cemitério de políticos 

Há pouco mais de um ano, David Cameron liderou o Partido Conservador britânico na conquista da primeira maioria absoluta em mais de 20 anos. A recondução de Theresa May como ministra do Interior foi então vista como uma surpresa, pois sujeitava uma potencial futura líder do partido a um segundo mandato num cargo que é conhecido no país como um “cemitério de políticos”.

Com a demissão de David Cameron que se seguiu à derrota no referendo à filiação europeia, May ficou-se pelos 2244 dias no cargo, ficando a 31 do recorde pós II Guerra Mundial, detido por James Chuter-Ede. Saiu para ontem se tornar a segunda mulher a chefiar o governo britânico, um estatuto que ainda assim fica aquém do que há muito ambicionara: “Lembro-me que, na época, ela queria ser a primeira mulher primeira-ministra e que ficou um bocado irritada quando Margaret Thatcher lá chegou”, recordou à rádio “BBC 4” o amigo dos tempos de Oxford Pat Frankland, quando May se tornou ministra do Interior.

Foi também nesses tempos de Oxford que Theresa Brasier conheceu Philip May, o então presidente da Oxford Union, uma espécie de associação de estudantes por onde passaram várias figuras da política britânica. Foram apresentados durante uma festa de jovens conservadores por Benazir Bhutto, então filha do primeiro-ministro paquistanês que viria a chefiar também o governo da sua terra natal antes de ser assassinada em 2007.

E foi já como Theresa May que a velha ambição terá desempenhado um papel decisivo na sobrevivência no famoso cemitério político, ao ponto de conseguir passar do Interior diretamente para a chefia do governo. Mais do que as suas propostas – ou até a sua popularidade junto do eleitorado – foi a fama de autoritária e ausência de gafes irremediáveis que a levaram a vencer antecipadamente uma corrida cujo final só se esperava para setembro. E muito terá ajudado o desabafo captado nos microfones de Ken Clarke, primeiro ministro da Justiça de David Cameron e habitual crítico de May que na semana passada disse que esta era uma “mulher muito difícil, como Margaret Thatcher”.

E por falar em ajudas, elas foram muitas durante este curto processo eleitoral: May era menos favorita do que Boris Johnson, o mediático ex-autarca de Londres que era apontado por todos como sucessor de Cameron mas viu a sua candidatura boicotada por um aliado que subitamente se tornou candidato; uma traição a que Michael Gove não resistiu, sendo relegado para último no voto dos deputados conservadores que preferiram May e Andrea Leadsom, o rosto mais populistas dos ‘brexiters’ do partido; após várias gafes, Leadsom decidiu atacar o lado familiar de May, dizendo que ela sim, “tinha muito em jogo no futuro do país devido ao facto de ser mãe” – não resistiu às críticas e acabou por anunciar a desistência. “Imaginem ser primeiro-ministro sem dizer nada. Theresa May apenas se sentou e esperou que todos os outros se destruíssem”, comentou no Twitter um conhecido apresentador de TV, Daniel O’Connell.

A figura que promete unir os conservadores também tem crédito entre os que a combatem desde que se tornou deputada em 1997. Como se vê nas recentes declarações da trabalhista Yvette Cooper, a responsável da pasta do Interior no governo sombra de Jeremy Corbyn. “Respeito o seu estilo, é sóbria e séria. É autoritária no Parlamento, os ataques superficiais acabam sempre a fazer ricochete”, admite Cooper, que no entante não deixa de identificar falhas.

“Ela esconde-se quando as coisas correm mal. Não dá entrevistas, não tem uma citação, nada que assegure ou lembre as pessoas de que ela sequer existe. Isso ajudou-a a sobreviver como ministra do Interior – mas quando se é primeiro-ministro a fuga às responsabilidades tem que acabar”, comentou Cooper à “BBC”. É também isso que dizem os críticos, internos e externos, que não entendem a unanimidade à volta de uma figura que prometeu reduzir a imigração para menos de 100 mil entradas por ano e sai do ministério depois de um ano em que permitiu mais de 300 mil. 

Mas fuga à responsabilidade é acusação que não encaixa numa mulher que chega ao leme para liderar uma etapa histórica da vida do país, quando poucas semanas antes andava pelas ruas a apela ao voto pela permanência. “Brexit significa Brexit e vamos fazer dele um sucesso”, anunciou na segunda-feira ao saber que estava a poucos dias de chegar ao nº. 10 de Downing Street, afastando qualquer hipótese de marcha atrás no processo ou até de repetição do voto.