O comício dos Massive Attack

Quantas vezes nos podemos questionar sobre a vida no decorrer de um concerto? Quantas análises do mundo e da sua atualidade são possíveis no espaço temporal de uma hora e meia? Se em palco estão os Massive Attack a resposta mais adequada é “ilimitadas”.

O comício dos Massive Attack

A banda de Bristol não deixa espaço para respirar. Atira-nos à cara sem qualquer condescendência o que todos já sabemos: vivemos tempos estranhos. E sim, há bandas que embarcam no facilitismo dos chavões políticos, com cheiro a oportunismo. Mas não é esse o caso dos Massive Attack, banda que sempre viu a música como um instrumento de contestação. Para 3D e Daddy G, as canções são manifestos, os concertos manifestações.

Mas a lição que nos deram no concerto no SBSR foi que a resposta pode, e deve, ser imediata, que as vozes se devem levantar no imediato, que o medo e o preconceito não podem ser opções. Foi a isto que assistimos no concerto que encerrou o palco Super Bock, no segundo dia do SBSR, depois de um arrasador Iggy Pop.

Ainda os telemóveis apitavam com as primeiras informações do golpe de estado em curso na Turquia e se faziam as contas às vítimas do atentado em Nice na véspera e já estas realidades faziam parte das mensagens que se viam pelos ecrãs que serviram de fundo aos Massive Attack. “Dedicado a todas as vítimas dos trágicos e incompreensíveis acontecimentos em Nice”, pôde ler-se.

De resto foi o mundo em que vivemos que por ali passou: desde as críticas ao Brexit e aos seus protagonistas, a questões relacionadas com o papel da Europa e com a crise de refugiados e, claro, com os inúmeros atentados que o mundo tem vivido. Sim, o mundo. E por isso, para os Massive Attack, "Je Suis Charlie”, mas também Paris, Bruxelas, Orlando, Nice, Istambul, Bagdade ou Bangladeche.

Os holofotes da noite estiveram mais na atualidade mundial do que nos músicos em palco. Mas isto em nenhum momento serviu de véu para disfarçar alguma falta de pujança musical da banda criada em 1988. Longe disso. A música dos Massive Attack continua a ser hipnótica, viciante, perturbadora. Necessária.

Talvez cada vez mais necessária. São fieis a si próprios, mesmo quando partilham palco com os Young Fathers, trio de hip-hop escocês. Ou quando revisitam, despudoradamente, o histórico álbum “Blue Lines”, de 1991. No final, com Deborah Miller novamente aos comando do microfone – depois de “Safe From Harm” – revisita-se o hino “Unfinished Sympathy”, acompanhado por um vídeo de fundo onde vários retratos de refugiados surgiram acompanhados pela frase “Estamos Juntos”. Que haja a sabedoria de saber ouvir os Massive Attack – os músicos e os ativistas.