Merkel avisa Erdogan: não há adesão à UE com a pena de morte

O regime turco mandou prender mais de 8000 opositores e ameaça com a reintrodução da pena capital

No dia 27 de Fevereiro de 1933, um incêndio foi ateado no Reichtag de Berlim. Quando a polícia e os bombeiros chegaram ao parlamento o edifício já estava consumido pelas chamas. Foi preso, pelas autoridades, um pedreiro desempregado holandês, com militância comunista. Hitler usou este fogo para tomar o poder e acabar com a democracia na Alemanha. Meses depois vários comunistas, entre os quais o líder da Internacional Comunista, Georgi Dimitrov, foram acusados do crime pela justiça nazi. Mas devido à presença de observadores internacionais, nem mesmo os tribunais alemães os conseguiram condenar. Mas para a democracia na Alemanha já era tarde: os comunistas alemães foram expulsos do parlamento e presos, Hitler foi empossado chanceler para “contrariar o impiedoso ataque do Partido Comunista da Alemanha”. A democracia tinha acabado.

O golpe de Estado falhado da semana passada, parece ter dado ao presidente Erdogan a justificação que lhe faltava para acabar com os resquícios de democracia na Turquia e mandar para a prisão juízes, militares, polícias e civis que se opõem a islamização do país. 

É preciso lembrar que a moderna Turquia erigida por  Kemal Atatürk é um regime laico em que o exército tem como missão constitucional velar pela laicidade do Estado. Até agora, o governo islamita de Erdogan sempre teve que se conter devido a essa herança histórica. O golpe de Estado alegadamente promovido por militares ligados a dissidentes islamitas partidários do clérigo exilado Fethulla Gulen permitiu ao governo de Erdogan deter um terço dos generais e almirantes do país: 103 em 356 generais. A maior parte dos 7500 detidos e dos 8000 polícias expulsos da corporação não tem laços aos setores islamitas dissidentes, mas a setores kemalistas laicos que são contra a islamização que promove o poder de Ancara. 

Estes milhares de detenções que incluem muitos magistrados, alguns dos quais acusados de investigarem atos corruptos do governo ou não terem dado sentenças favoráveis à prisão de jornalistas que tinham feito críticas ao presidente Erdogan. 

As salas cheias de militares despidos e amarrados e de homens à paisana espancando detidos têm circulado na comunicação social e já têm dado as confissões mais extraordinárias. 

O ex-comandante da Força Aérea, general Akin Ozturk, suposto líder dos golpistas que sempre desmentiu essa acusação, apareceu em tribunal, junto com outras dezenas de generais detidos, visivelmente amachucado e com uma ligadura na orelha direita e segundo a agência noticiosa oficial turca, teria confessado na segunda feira que “tinha atuado com intenções golpistas”.

Os militares estão acusados de “conspiração para mudar a ordem constitucional pelas armas”, “resistência armada contra a autoridade”, “criação de uma organização armada”, e alguns deles de “conspiração e realização de ataque contra o presidente”. 

Durante a intentona terão sido mortas, segundo as autoridades, cerca de 290 pessoas, das quais, 208 mortas pelos golpistas e 24 envolvidos no governo. Também segundo o executivo, haveria 1491 feridos.

Na sequência do golpe de Estado falhado, teriam sido detidas 7543 pessoas: 6038 militares, 755 juízes e advogados, 100 polícias e 650 civis. Segundo garante o jornal “Hurriyet”, o Ministério do Interior turco suspendeu 77 governadores, 30 provinciais e 47 de distrito. Também foram suspensos da suas funções 2475 membros da estrutura judicial, incluindo juízes dos Supremo Tribunal, 1500 membros do Ministério das Finanças e 8777 membros do Ministério do Interior, a maioria dos quais polícias.

O primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, assegurou que os golpistas tinham preparado um plano posterior à tomada do poder similar “ao do golpe de 1980”, o mais sangrento verificado no país. “No entanto, nem naquela altura os militares se atreveram a disparar contra os civis. Os golpistas comportaram -se como [o presidente sírio Bachar al] Assad”, afirmou o chefe de governo. O primeiro-ministro garantiu que iam ser tomadas todas as medidas para evitar que este tipo de acontecimentos se repetisse: “A rua está a pedir [a pena de morte] e o que quer o povo é uma ordem para nós. Mas a Turquia é um Estado de direito e não seria correto tomar decisões a quente. Discutiremos essa medida, porque isso exige uma reforma constitucional”, garantiu o chefe do governo.

O mesmo entusiasmo não tem a União Europeia, a chanceler Merkel avisou ontem o governo da Ancara que “a instauração da pena de morte na Turquia acabaria com as conversações de adesão à UE”.    

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