Sócrates. Investigação aperta a dois meses do ‘fim’

O foco dos investigadores da Operação Marquês está agora no uso da golden share do Estado na PT. A nova fase começou a ser desenhada com um post-it descoberto no Brasil pela equipa da Lava Jato. Mas existem mais trabalhos em curso: interrogatórios e até uma busca a um cofre forte.

Sócrates. Investigação aperta a dois meses do ‘fim’

A menos de dois meses do prazo previsto para a conclusão das investigações a José Sócrates, os investigadores da Operação Marquês estão a trabalhar em contrarrelógio. Nos últimos dias têm sido vários os pedidos de informações sobre os arguidos feitos a entidades bancárias e as convocatórias de testemunhas e arguidos para novos esclarecimentos. 

Ainda em junho foram feitas buscas a um cofre de uma pessoa do núcleo duro de Helder Bataglia, na sede do Novo Banco, e o arguido Rui Mão de Ferro foi novamente chamado para interrogatório. Mas, nesta fase final dos trabalhos, a equipa de Rosário Teixeira tem-se centrado sobretudo nas suspeitas de influência política de Sócrates no negócio em que a Portugal Telecom vendeu a parte que detinha da Vivo à operadora espanhola Telefónica. 

Um dos pontos mais delicados desta nova fase da Operação Marquês é mesmo a conhecida golden share que foi usada para inviabilizar, num primeiro momento, o negócio da PT com a Telefónica. Indícios que têm estado na base de grande parte das novas diligências, onde se incluem as buscas a casa de Zeinal Bava e Henrique Granadeiro e as diligências realizadas esta quinta feira à Caixa BI e ao Haitong (ex-BESI). 

Post-it apreendido no Brasil relevante para investigação

A nova etapa de investigações a José Sócrates, com a PT como pano de fundo, começou a desenhar-se no final do ano passado durante uma diligência dos investigadores da Operação Lava Jato. Os procuradores brasileiros foram surpreendidos durante uma busca ao irmão do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu com um pequeno manuscrito. Um simples post-it amarelo foi suficiente para colocar a PT no centro do maior caso de corrupção da história daquele país e dar força às vagas suspeitas que existiam deste lado do Atlântico. Esta e outras diligências realizadas no Brasil permitiram cimentar as investigações sobre a relação de Dirceu, antigo homem forte de Lula da Silva, com a petrolífera estatal Petrobras e outras empresas, entre as quais a Portugal Telecom.

No relatório parcial que consta do despacho de indiciação de José Dirceu e que o SOL noticiou em exclusivo em setembro lia-se que a anotação com o nome da telefónica portuguesa tinha sido recolhido juntamente com documentos que provam pagamentos de várias empresas, por serviços de consultoria simulados. 

Os investigadores descrevem que foram apreendidos «seis manuscritos a caneta esferográfica preta feitos em post-it de papel amarelo, com diversas inscrições nas quais são mencionados: Capemisa, BB, Correios, viagem de Vice-presidente [do Brasil] Michel Temer à China, CTANG, Portugal Telecom, Banco de Investimento chinês, CCB, Galvão Engenharia e concessões».

Nessa altura o contacto do MP brasileiro com a equipa de Rosário Teixeira já era frequente e, além dos pedidos de auxílio feitos formalmente à PGR, havia muita troca de informação informal e passagem de dados, o que terá acontecido com esta pequena anotação.

PT-Vivo-Telefónica: Um negócio do poder (político)

De um lado, os investigadores da Operação Marquês estão convictos de que terá havido interferência de Sócrates na operação de venda dos 50% que a PT detinha na brasileira Vivo à Telefónica – um negócio que permitiu à empresa portuguesa o encaixe de 7,5 mil milhões de euros. E até na compra de 22,38% da Oi por 3,7 mil milhões de euros. Do outro, os investigadores da Lava Jato defendiam já em setembro, no despacho de indiciação, que José Dirceu (e o irmão) estiveram envolvidos ativamente neste negócio.

Mas então de que forma influenciou Sócrates? Um dos pontos principais para a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira é o uso de uma golden share do Estado na PT, que inviabilizou numa primeira fase o negócio (inicialmente a Telefónica oferecia valores entre os 5,7 mil milhões e os 7,1 mil milhões por 50% da Vivo).

Como o SOL avançou na última edição, o Ministério Público considera que parte do acervo de 23 milhões de euros que estava nas contas de Carlos Santos Silva, mas que alegadamente pertenciam a Sócrates, eram provenientes de ‘luvas’ desses negócios. A viabilização dos mesmos terá ainda contado com decisões políticas do governo brasileiro, à data liderado por Lula da Silva, amigo do ex-primeiro-ministro português.

Tanto na venda das ações da Vivo como na compra de 22,38% da Oi, a Portugal Telecom foi assessorada pelo Caixa BI e pelo BESI, atualmente Haitong Bank. E terá sido exatamente por isso que foram levadas a cabo buscas esta quinta feira na sede das duas instituições, em Lisboa.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), as diligências tinham «em vista a recolha de elementos de prova relativos a serviços prestados pela Caixa BI e pelo antigo BESI (atual Haitong) a um cliente, não estando em causa a responsabilidade das referidas entidades». A PGR não disse o nome, mas o cliente era a PT.

Zeinal Bava e Henrique Granadeiro alvo de buscas

Bava e Granadeiro foram também alvo de busca nesta fase da Operação Marquês (ver pág. 22-23). Segundo o Ministério Público foram feitas «buscas domiciliárias e não domiciliárias em vários pontos do país, designadamente em instalações de diversas sociedades do grupo PT, em residências de antigos gestores da empresa e num escritório de advogados», que entretanto se sabe ser o do advogado João Abrantes Serra.

A PGR adiantou ainda que nestas diligências, de dia 13, «procedeu-se à recolha de prova complementar àquela que já se encontrava reunida nos autos», afirmando que «em causa estão eventuais ligações entre circuitos financeiros investigados [na Operação Marquês] e os grupos PT e Espírito Santo».

Tal como já foi noticiado, Bava recebeu 18,5 milhões de euros do Grupo Espírito Santo, valor que segundo o próprio se destinaria à compra de ações para altos quadros da PT. O dinheiro chegou às contas do ex-presidente executivo da PT em 2010 e 2011 vindo da ES Enterprises (o chamado saco azul do GES), no período coincidente com o da venda da participação na Vivo e da entrada na Oi. Bava nunca comprou ações com os milhões recebidos e acabou por devolver o dinheiro só este ano.

É a partir das pontas soltas que a investigação vai percebendo muitas das irregularidades. Uma delas foi exatamente a justificação para a transferência dos 18,5 milhões. É que a pessoa que ordenou a saída do dinheiro da ES Enterprises, ou seja Ricardo Salgado, deu outra versão. Segundo o site Observador, o ex-presidente do BES terá referido perante o juiz Carlos Alexandre que tal pagamento era para «cativar» Zeinal Bava. 

As buscas ao cofre da secretária de Bataglia

Além das novas suspeitas, a investigação avança em todas as outras direções até aqui conhecidas, como é o caso das ligações entre José Sócrates e Helder Bataglia. 

E foi exatamente isso que levou uma equipa do Ministério Público e da Autoridade Tributária a deslocar-se a 6 de junho à sede do Novo Banco, na Avenida da Liberdade. Procuravam o cofre de Maria Eduarda Farinha, a secretária de Helder Bataglia que trata de todos os assuntos do luso-angolano em Lisboa. 

Segundo a investigação é esta secretária que guardará documentos relativos a sociedades nacionais e internacionais do fundador da ESCOM, incluindo dados relativos a negócios que Bataglia tem com pessoas como Luís Horta e Costa e Rui Horta e Costa.

Branqueamento em Angola leva Mão de Ferro ao DCIAP

Rui Mão de Ferro, sócio de Carlos Santos Silva e administrador de algumas das suas empresas, foi novamente chamado no mês passado ao DCIAP. Mão de Ferro, que também é arguido na Operação Marquês, é uma peça chave, sendo até suspeito de ter tentado perturbar a investigação escondendo documentos do seu sócio.

Mas não foram as suspeitas antigas que motivaram o novo interrogatório. Ao que o SOL apurou, em causa está um esquema de branqueamento de capitais com ligações a Angola. Mão de Ferro é suspeito de simular a prestação de serviços à sociedade XLM, de Carlos Santos Silva, para assim justificar a receção de grandes quantias em Portugal. Mas o problema é ainda mais profundo, segundo a investigação: a XLM teria como único cliente o Grupo Lena, que pagava com remessas vindas de Angola. 

O MP suspeita que Mão de Ferro sabia que tais remessas tinham origem num bolo de oito milhões de euros ilegal. O dinheiro que acabou por chegar a Portugal com o esquema de faturas falsas trazia porém uma aparência de legalidade, defende o MP, considerando que para isso foi simulado um contrato de promessa de compra e venda de um imóvel em Luanda, no Kanhangulo, tendo o mesmo sido incumprido de propósito para dar lugar a uma indemnização de valor igual ao montante ilegal, mascarando-o deste modo. Depois disso terá sido usado o esquema das faturas falsas: só pelas empresas ligadas a Mão de Ferro terão passado, acredita a investigação, faturas de 700 mil euros entre 2010 e 2014 à XLM. 

A Operação Marquês está cada vez mais perto da data fixada para a sua conclusão – 15 de setembro de 2016 – e começa a fazer sentido a exceção que Amadeu Guerra, diretor do DCIAP, colocou no seu despacho aquando da definição da meta: «Decorrido este prazo, só por razões excecionais, devidamente justificadas e fundamentadas, poderão servir de base à fixação de outro prazo».