As mulheres por trás de Donald Trump

Mais de um ano depois do anúncio oficial da campanha de Donald Trump, umas das poucas certezas é de que nada será como dantes. Até a sua entourage parece ter sido formada num espírito antissistema: na convenção que o consagrou, o candidato anti migração apresentou a esposa eslovena, que leu um discurso plagiado por uma…

As mulheres por trás de Donald Trump

Melania Trump

É no mínimo irónico. Donald Trump, o homem que quer proibir a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos e construir um muro ao longo de toda a fronteira do país com o México, voltou a mostrar a sua faceta de antissistema ao quebrar a tradição e subir ao palco da convenção republicana no primeiro dia de encontro, muito antes do discurso da consagração do candidato com que termina o certame. E fê-lo por uma causa nobre – apresentar a esposa e, se tudo correr como espera a plateia que enchia a Quicken Loans Arena, a futura Primeira Dama dos EUA. A ironia está no facto de a apresentada, Melania Trump, ser de nacionalidade eslovena, nascida na então Jugoslávia – se Trump vencer em novembro, Melania será a primeira estrangeira a ocupar o cargo desde 1829, quase dois séculos depois da britânica Louisa Adams. Mas a ironia até pode ser boa, eleitoralmente falando: o indesfarçável sotaque pode até convencer os mais crentes que o xenofobismo de Trump não passa de retórica. O tom, contrastante com a constante hostilidade do marido, poderia acalmar outras almas: “Queremos que nesta nação, os nossos filhos saibam que o único limite para as suas conquistas é o alcance dos seus sonhos”, disse Melania perante mais de dois mil militantes do Partido Republicano. “Amável e positivo”, chamou-lhe o espanhol El País. “Aparição triunfante”, proclamava o Washington Post. Até que, poucos minutos depois, começaram a surgir as primeiras suspeitas. Umas buscas no Youtube e lá estava Michelle Obama, em 2008, a sugerir o seu marido para a Casa Branca: “Queremos que os nossos filhos, e todos os filhos desta nação, saibam que o único limite para a altura das suas conquistas é o alcance dos seus sonhos”. Pelo menos outras três frases eram em tudo iguais à potencial antecessora. Se não fora batida por Bill Clinton nesta corrida peculiar – ele que, tal como a “velhaca Hillary” como Trump agora se refere à rival, até foi convidado do seu casamento, quando se uniu ao magnata em 2005.

Meredith McIver

Não fossem as lesões e o mais provável é que o seu destino nunca se tivesse cruzado com os Trump, a família que passou a “admirar ainda mais” ao longo dos últimos dias. O assumir da culpa pelo plágio de Melania a Michelle Obama, mais de 36 horas depois de serem detetadas as semelhanças dos discursos, levou Meredith McIver a ver a vida escrutinada como nunca, ao ponto de o “New York Times” dissertar sobre as lesões que a levaram a abandonar a carreira de bailarina clássica, que até já incluía a Broadway. Mas não foi só isso que se descobriu sobre uma pessoa que até agora se mantinha na sombra de Trump. E uma sombra que não nasceu nesta candidatura presidencial: o mais antigo registo de colaboração entre os dois, sabe-se agora, é o livro de 2004 “Como Ficar Rico”, em que serviu de escritora-sombra para a obra do magnata. Nunca mais se separaram: repetiram a experiência no ano seguinte, em “Pense como um Bilionário”, e em 2008, com “Nunca Desistir”.  Foi assim que, sempre na sombra, se tornou redatora de discursos da campanha presidencial do empresário. Até ao dia em que se tornou inevitável preparar as palavras da candidata a primeira-dama, assim que se soube que Trump iria mesmo ser o consagrado da convenção republicana.  “Ao telefone, ela leu-me passagens do discurso de Michelle Obama como exemplos. Eu escrevi-os e mais tarde incluí algumas das frases no rascunho final que viria a tornar-se o discurso. Não verifiquei o discurso de Michelle Obama”, explicou a antiga bailarina na quarta-feira. O pedido de desculpas – extensível à atual Primeira Dama com a garantia de que nada do sucedido teve “maldade” – foi acompanhado por uma carta de demissão, que por sua vez foi rejeitada pelo patrão de longa data: “Trump disse-me que as pessoas fazem erros inocentes e que crescem e aprendem com essas experiências”.

Hope Hicks

De ajudar Ivana Trump a vender  a sua marca de roupa – não só na qualidade de relações públicas, com que foi recrutada em 2012, mas também na de modelo fotográfico -a principal assessora de imprensa de um candidato presidencial passaram três anos. A vertigem foi tal que Hope Hicks, 27 anos, nem deu por isso. Quando, em janeiro de 2015, Trump a chamou a um gabinete com apenas mais três pessoas e anunciou que seguiriam para o Iowa, “a única coisa que ocorreu a Hicks, meio na brincadeira, foi: o que vestem as pessoas do Iowa?”. Olivia Nuzzi descobriu isso quando realizava a pesquisa para escrever na “GQ” a peculiar história de “um produto não de Washington mas da Organização Trump”, que se viu em tão vital cargo de uma candidatura presidencial “sem nunca ter trabalhado um dia em política até que lhe dizerem para fazer as malas e iniciar a campanha”. Tal como Meredith McIver, Hicks é um exemplo de como Trump privilegia a confiança pessoal sobre a experiência profissional. Ao ser questionado sobre as aptidões da assessora e as razões da sua nomeação, o magnata responde que a achou “extraordinária” como relações públicas da filha e imita a capacidade da funcionária a atender vários telefonemas ao mesmo tempo. A verdade é que ano e meio depois da primeira visita ao Iowa,  o sucesso da improvável assessora só tem paralelo no sucesso da candidatura de Trump. Como o chefe contrariou todos os prognósticos, Hicks ultrapassa os desafios de um mundo que desconhecia. Sam Nunberg e Corey Lewandowski – dois dos presentes na sala no dia que mudou  a vida desta jovem do Connecticut, – já sucumbiram à pressão apesar da experiência política que traziam na bagagem. Hicks por lá continua. Irá para a Casa Branca? “Claro que sim. Pode ficar aqui [na organização do magnata] ou ir para lá, mas acho que ela quer ir para lá”, responde  a sugestão republicana para a sucessão de Barack Obama.