Estatuto de réu a Lula dificulta defesa de Dilma, diz carrasco do PT

 

“Em 2018 o PT terá muitas dificuldades. Até mesmo porque o principal líder estará respondendo a uma ou mais denúncias. Isso limita o lançamento de uma candidatura própria”. A frase é de Delcídio Amaral e foi dita numa entrevista à revista “Exame” dois dias depois do próprio ter, a par de Lula da Silva e outras cinco pessoas, sido formalmente acusado de obstrução à Justiça no âmbito da Operação Lava Jato.

Delcídio, ex-líder do PT no Senado, que tem sido um dos principais delatores da cúpula política brasileira neste escândalo de corrupção, mostra-se convencido que “a decisão é de extrema relevância”, pois o facto do ex-presidente se tornar réu pela primeira vez “cria impactos no processo de impeachment de Dilma e nas alianças do Congresso”. Referia-se à decisão do juiz Ricardo Leite, da 10.ª Vara da Justiça Federal de Brasília, que na tarde de sexta-feira incluiu Lula como potencial cabecilha do grupo que tentou comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras para a área internacional.

“Delcídio Amaral, como representante do governo no Senado, não exercia a chefia do esquema criminoso. E, pelo menos nessa atividade de obstruir investigações contra a organização criminosa, Delcídio aponta Lula como sendo chefe da empreitada”, refere a acusação transcrita pela revista “Veja”.

Para os advogados de Lula, a acusação baseia-se “exclusivamente na delação premiada de um réu confesso e sem credibilidade” e o ex-Presidente “apresentará a sua defesa” com a certeza que “no final a sua inocência será reconhecida”.

Já o deputado Paulo Teixeira, outra das figuras do PT que reagiram à decisão do juiz Ricardo Leite enquanto o líder histórico do partido se mantém em silêncio, analisa o facto de Lula ter sido constituído arguido como uma admissão de incapacidade por parte da Justiça: “Depois de dois anos de investigação, incontáveis prisões e delações, os investigadores da Lava Jato não conseguiram encontrar uma única prova para confirmar a tese que eles próprios criaram – a de que Lula era chefe da quadrilha que assaltou a Petrobras. Esta denúncia parece mais uma resposta para atender às expectativas que eles geraram”.

Uma tese que, na véspera do anúncio da medida, levara o próprio Lula da Silva a apresentar uma petição na ONU onde se queixa de ser vítima de violação dos Direitos Humanos. O documento entregue ao Comité dos Direitos Humanos da ONU denuncia “atos ilegais” por parte do juiz Sérgio Moro, que lidera a operação Lava Jato. Segundo a defesa de Lula, os atos de Moro “não podem ser satisfatoriamente corrigidos na legislação brasileira”. Entre as várias violações de Direitos Humanos que Lula diz poder vir a ser alvo – “invasão de privacidade, prisão arbitrárias, detenção antes de julgamento ou presunção de culpa” – está precisamente a “incapacidade de afastar um juiz tendencioso”.

Uma acusação que não deixou indiferente a Associação de Juízes federais do Brasil, que rapidamente lembrou que o “sistema processual brasileiro garante três instâncias recursais”, ao contrário do que era dado a entender pela queixa do antigo presidente. “Até ao momento”, recordam os juízes, “menos de 4% das decisões do juiz Sérgio Moro foram reformadas” depois dos recursos apresentados.

A situação de Lula, que seria sempre um facto político face à grande popularidade que mantém junto dos brasileiros, ganha relevância pela aproximação de novas etapas decisivas no processo de impeachment da sua sucessora na presidência. Dilma está suspensa das suas funções desde maio e pode ser definitivamente afastada do cargo no início de setembro, se o julgamento se iniciar no Senado a 29 de agosto, como diz o acordo anunciado ontem entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o líder do Supremo Tribunal, Ricardo Lewandowski.

É esse o calendário previsto depois de se saber que Antônio Anastasia, relator do processo no Senado, apresentará na próxima terça-feira o seu parecer na comissão dedicada ao impeachment. A ser aprovado nessa comissão – e tudo indica que será, na quinta-feira – o relatório passará para o Plenário. Com leitura ainda na sexta-feira fica agendado para a terça seguinte (dia 9) a votação no plenário – que deverá replicar as maratonas já assistidas em maio tanto na câmara de deputados como no Senado.

Serão necessários os votos favoráveis de 54 senadores para que o julgamento em si seja formalmente aprovado. Em maio os rivais de Dilma somaram 55 votos, mas nem todos os que aprovaram o processo garantem que aprovarão a destituição – assim como nem todos os que votaram contra prometem continuar a defender a presidente eleita.

Caso se confirme a existência dos votos necessários, segue-se uma fase de apresentação de testemunhas pró parte da acusação e defesa. Depois disso, aparentemente no dia 29, começará o julgamento em plena sessão do Senado, que se deve arrastar por pelo menos uma semana.