António Leitão Amaro: ‘O tema da liderança de Passos Coelho não existe. É uma espécie de telenovela’

Figura em ascensão no PSD, o ex-secretário de Estado da Administração Local não poupa críticas ao Governo das esquerdas. E garante que o líder do PSD é uma alternativa para o futuro.

António Leitão Amaro: ‘O tema da liderança de Passos Coelho não existe. É uma espécie  de telenovela’

O inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) ainda agora vai começar e o Banco Central Europeu (BCE) chumbou oito administradores da Caixa Geral de Depósitos na quarta-feira. Como olha para esta questão?

O PSD requereu esta comissão de inquérito, pois ela tornou-se inevitável pela falta de respostas por parte do Governo. O problema da CGD é o Governo estar a ser bastante displicente, para não dizer incompetente, no tratamento de todo o processo. Agora, esta sucessão de notícias confirma que o Governo enquanto acionista não exerce a sua função, não dá as orientações que devem ser dadas e, depois, toma decisões absolutamente injustas. Numa altura em que se está a planear dispensar 2.500 trabalhadores, o Governo vai aumentar os salários dos administradores e queria ainda multiplicar o número de pessoas que estavam na administração. O BCE chumbou isso, bem como a acumulação de funções de CEO e chairman – teve de ser o BCE a dizer que havia nomes que tinham um problema face à lei portuguesa. É um sinal de muito pouca qualidade, de displicência e de falta de competência por parte do Governo e do Ministério das Finanças.

Acha que os partidos mais à esquerda, o BE e o PCP, estão a abdicar daquilo em que acreditam para manter a chamada ‘geringonça’ no poder?

Até agora, a ‘geringonça’ tem sido coesa e acho que vai continuar a ser . E o que leva a esperar coesão na ‘geringonça’? Simplesmente, o facto de terem abdicado de reformar. Se tentarmos procurar a ideia de mudança que existe no país, não encontramos. É um andar para trás e ficar quieto. Temos um país estagnado na economia, na sua capacidade de reformar. E de melhorar para dar aos portugueses quer a esperança quer as possibilidades de crescimento de emprego e de correção das desigualdades, que também são importantes.

Estava a falar de estagnação económica. Os dados do INE vieram confirmar isso? E acha que é um reflexo da política do Governo?

Temos um país estagnado e isso resulta de escolhas próprias. Vejam-se a Espanha ou outros dos nossos parceiros europeus: crescem mais do que Portugal. Já não estamos na altura de olhar para as previsões e perceber que elas estavam erradas, estamos na altura de olhar para os resultados e perceber que o crescimento, o investimento, as exportações, o emprego de qualidade e, agora, até o consumo privado estão estagnados ou em decadência. 

Mas a execução orçamental tem ficado dentro do previsto…

 A execução orçamental é parcial e tem vários indicadores preocupantes. Muitas das medidas que o Governo adotou caem mais no 2.º semestre, como a devolução de salários na Função Pública ou o IVA da restauração. Além de que a primeira parte do 1.º semestre foi, sobretudo, a execução do Orçamento anterior em duodécimos. 

Acredita que vai haver uma derrapagem no próximo semestre?

Todas as instituições dizem ser quase seguro que os números do Governo não vão ser cumpridos. E, a cada mês que passa, vemos mais alguns problemas, como o aumento dos pagamentos em atraso e o não cumprimento das metas da receita. Não é o PSD que diz isso, mas sim a UTAO, o Conselho de Finanças Públicas e a Comissão Europeia. 

Esta semana esteve em São Pedro do Sul e viu o cenário de destruição por causa dos incêndios. Qual é a sua apreciação à atuação do Governo nestas últimas semanas?

Acho que a ministra da Administração Interna demonstrou, em alguns momentos, uma enorme falta de bom senso. Quer nos episódios  das  suas  ausências  ou desaparecimentos ou dos aparecimentos em eventos que não são exatamente de combate aos incêndios. Ou então quando, aflita com a responsabilidade que tem, tentou atirar as responsabilidade para cima das instituições europeias. Percebemos que há indícios de que a coordenação nacional – que é da responsabilidade do Governo –– pode não ter corrido bem, mas a avaliação política vai ser feita nas próximas semanas e o Parlamento já começou a fazê-la. É importante adquirir as informações todas para depois se tirar uma conclusão.

Também está ‘chocado’, como disse António Costa, por não ter sido feita uma reforma das florestas na última década?

António Costa também foi ministro com parte de responsabilidade nesta área durante alguns anos. Só compreendo o choque com o primeiro-ministro a chegar ao espelho e a ter um choque. Acho bem que o Governo e o Parlamento reflitam sobre o que foi feito e pode ser melhorado, mas isto parece completamente despropositado.

Já foram várias as vozes que criticaram Passos Coelho pelo discurso no Pontal e pela sua forma de fazer oposição em termos gerais. O líder do PSD não corre o risco de ficar com a imagem pouco simpática de ‘profeta da desgraça’? 

O discurso do Pontal teve 34 minutos. Além de uma palavra aos bombeiros e aos afligidos pelos incêndios, Passos Coelho falou sobre o presente e apontou duas críticas importantes que cabe a um partido da oposição fazer: falou da estagnação económica do país e de a fórmula de Governo que temos não ser capaz de imprimir nenhuma solução nova, nenhuma reforma. E falou muito de futuro, durante praticamente metade do discurso. Passos Coelho conseguiu liderar o país numa altura difícil de emergência, retirar-nos de um resgate quando ninguém acreditava que seria possível e conseguiu pôr o país a recuperar. Foi um vencedor – ganhou eleições – e agora está a fazer um caminho diferente. Tanto ele como o PSD têm de se ajustar. 

Não é um discurso derrotista e sem esperança para o futuro? 

No discurso, Pedro Passos Coelho incentiva ao combate às desigualdades sociais e económicas – uma das prioridades do PSD –, à construção de um país onde haja mais igualdade, entre outras coisas. Esse é o discurso de alguém que quer construir um futuro. 

Passos Coelho não estará demasiado conotado com o passado de austeridade, correndo o risco de os portugueses já não o verem como um líder para o futuro?

É evidente que todos nós somos associados ao percurso que tivemos, mas Passos Coelho foi responsável por liderar o país num período muito difícil e entregou o país a crescer. Acho que ele é uma alternativa para o futuro e, da última vez que fomos a votos, as pessoas disseram isso – confiaram muito mais nele do que em António Costa. Haverá eleições no momento certo e, nessa altura, vamos ver. Eu acredito nele.

Se o PSD sair derrotado nas autárquicas, a posição de Passos Coelho não sai fragilizada? Temos o caso de António Guterres que se demitiu em 2001 depois de ter perdido as autárquicas.

Eu tenho a melhor impressão de António Guterres, mas acho que isso diz muito da robustez dele para assumir aquelas funções. O tema da liderança de Passos Coelho é um tema que não existe. Acho que é uma espécie de telenovela de ficção que é alimentada para distrair. Para mim, Passos Coelho é no PSD a pessoa mais bem preparada, é um vencedor, reformista e, algo que contrasta muito com o Governo atual, alguém com uma clara distinção e primazia pelo interesse geral e não por interesses particulares. 

Acha que a base de sustentação deste Governo pode cair já por causa do Orçamento do Estado para 2017, em outubro? Ou prevê que o Governo resista até outubro de 2017 e a um novo OE?

Não acredito que haja esse risco. O PS, o BE e o PCP vão ter algum ruído para aparentar alguma dificuldade, mas há ali um coerência evidente. Não acho que vá existir, nem considero desejável, algum risco de crise política. Isto não é uma coligação reformista, é uma coligação conservadora – que não é para o futuro, é para manter as coisas. Não vejo neste Governo de esquerda nem fôlego, nem visão nem capacidade reformista para termos um país melhor. Agora, o OE para 2017 preocupa-me por causa das escolhas. Se olharmos para o que o Governo está a traçar, primeiro temos uma situação orçamental que atualmente tem mais despesa corrente. E o que precisávamos era de estarmos a reduzir o défice e a dívida.