Vilar de Mouros: nem só os gatos têm sete vidas

O festival mais antigo da península Ibérica assinala meio século de história. Com tudo: hiatos que não se entendem e concertos tão históricos que podem bem ter sido ouvidos na Lua. Esta reencarnação traz Peter Murphy, Tindersticks, Peter Hook, Echo & The Bunnymen, The Waterboys, Linda Martini, Samuel Úria, entre outros. De amanhã a sábado…

No press release enviado às redações pode ler-se: “Festival de Vilar de Mouros 2016 (ou a incrível possibilidade de nascer e celebrar 50 anos em simultâneo, sem ser o Benjamin Button)”. Não estivéssemos nós perante o Vilar de Mouros talvez fosse de estranhar o facto de um festival de música ter um subtítulo. Mas tem. E tem mais, sobretudo os 50 anos que em 2016, neste retomar de um dos eventos mais importantes da música e cultura nacional, se assinalam. 

Esteve ligado às máquinas durante bastante tempo, não houve soro que lhe regasse a clarividência, sobrevivência em termos latos. Em 2006 o diagnóstico estava feito: o Vilar de Mouros não aguentava mais. Oito anos volvidos foram os suficientes para se tentar a reencarnação, só que essa edição de 2014, promovida por gentes da terra, revelou-se curta. A múmia ainda deu volta e meia, mas regressou à dormência. Tricky, Guano Apes, UB40, Xutos & Pontapés, nomes centrais do cartaz, não foram capazes de erguer a besta adormecida. Mas o Vilar de Mouros parece recusar-se a morrer. Ou, por outra, os seus filhos não estão para aí virados. 

Nada como tentar de novo. “A Câmara Municipal de Caminho lançou-nos este desafio, de vir comemorar os 50 anos do Vilar de Mouros, de vir, no fundo, continuar a história ao mesmo tempo que contribuímos para o renascimento deste festival. Após esse convite viemos fazer o reconhecimento do local, reencontrarmo-nos com o espaço, beber desse espírito que este evento tem, e percebemos que tínhamos de abraçar logo o projeto”, confessa Diogo Marques, da organização. Portanto a nova ementa faz-se com Tindersticks, The Waterboys, OMD, Bombino, Peter Murphy, Peter Hook, Echo & The Bunnymen, Happy Mondays, Linda Martini, Samuel Úria, entre outros, de amanhã a sábado, no local habitual. 

Longe vão os tempos em que o Dr. António Barge decidiu que o Rio Coura tinha uma luz impossível de desperdiçar, as suas margens mereciam mais, acolher gente, o olhar dessa gente. Foi em 1965 que se fez a primeira edição deste fenómeno, tendo desde aí tido algumas edições marcantes, como a de 1971, que trouxe ao Minho astros como Manfred Mann ou Elton John. Ou a de 1982, quando os U2, Sun Ra Arkestra e Carlos Paredes, tornaram este ano coisa para a vida, para recordar com gosto. Nomes que, por agora, se tornam de alcance complexo, ainda que Diogo Marques garanta que estão lindamente no que ao alinhamento diz respeito. “Musicalmente queremos criar um cartaz apelativo de forma a comemorar esses 50 anos e oferecê-lo a todos os que estavam famintos de ter um Vilar de Mouros ao nível dos melhores”, afirma antes de acrescentar: “Por aqui mais perto do local do festival toda a gente quer vir, é um acontecimento único para estas pessoas e toda a gente gosta do cartaz. Toda a gente ouve os Waterboys, os Tindersticks e os Happy Mondays, tal como os portugueses, o Zambujo, e não só”. 

Não nos tome como gente de má fé, dos que fazem por agoirar, mas não podíamos deixar de interrogar Diogo Marques sobre a possibilidade de 2016 ser mais uma falsa partida, daquelas que provocam expulsão imediata, fora-da-pista-que-aqui-não-entras. A resposta veio confiante: “Por todo o feedback que temos, tanto a nível nacional como internacional, tanto a nível de vendas como de imprensa, não me parece que isso possa acontecer. Começámos a trabalhar já a meio do ano, algo tarde para a preparação, mas conseguimos, ainda assim, não prejudicar o festival. Esse risco de fiasco não está na nossa previsão”, diz. 

O novo no velho Apesar das cinco décadas de existência, das eventuais, sublinhar eventuais, teias de aranha, não faltam boas novas neste renascer do Vilar de Mouros. Até porque cantar os parabéns já não chega, quer-se sempre uma boa festa, queremos confrontar a memória ao ponto de arrepiar. 

Este ano, além da praia fluvial recentemente inaugurada, há uma zona de acesso livre, para aqueles que não estão para pagar bilhete, onde pode esticar as pernas e entrar numa cápsula do tempo. “A praia fluvial é um grande chamariz, as pessoas deleitam-se por ali, a água é lindíssima, a paisagem é brutal, no meio de dois montes. Temos também três áreas distintas de camping e ainda uma de caravanismo, é a primeira vez que é possível vir de autocaravana ao Vilar de Mouros. Além disso, temos uma área gratuita, quase como um festival dentro do festival, onde vamos estar a passar, num ecrã gigante, os filmes das atuações das bandas históricas que passaram pelo Vilar de Mouros e onde, depois disso, vai existir cinema ao ar livre”. A isto junte-se a informação mais preciosa que vai encontrar por estas linhas: o Vilar de Mouros é o primeiro festival a ter um acampamento de Pokémon Go, o que logo aí é garantia de longos passeios e de bateria infinita, até porque apostamos que a aldeia é rica em espécies raras, pokémons melómanos e afins. 

Posicionando-se como um festival para gente crescida ou “para amantes da música que já têm alguma maturidade naquilo que ouvem”, como adianta o organizador, o novo Festival Vilar de Mouros parece vir para ficar. Já há datas e bandas para 2017, pelo que, desta vez, é possível ir com a certeza que se pode voltar, sentimento nem sempre presente na história deste festival. Que regressem também Beck, Public Enemy, Bob Dylan, PJ Harvey, Robert Plant, Don Cherry… Ano a ano, tudo a seu tempo. Vida longa ao Vilar de Mouros.