“Mistérios de Lisboa”. Camilo, Chile, é tudo a mesma coisa

Numa das cenas iniciais de “Mistérios de Lisboa”, obra que Camilo Castelo Branco publicou em 1854 e que Raúl Ruiz adaptou ao cinema em 2010 (agora em reposição para assinalar os cinco anos da sua morte), o Padre Dinis (Adriano Luz) leva João (João Arrais) pela mão por Lisboa ao encontro da sua mãe, que…

Para Camilo isto era uma passagem por Lisboa, para Ruiz o pretexto perfeito para mostrar o que é um país em guerra – a ação decorre durante as Guerras Liberais – que é aquilo a que assistimos. “Mistérios de Lisboa” são isso mesmo, uma sucessão de mistérios interligados pela personagem do Padre Dinis, num registo novelesco que assenta bem a estas quatro horas e meia que o argumento aguenta sem grande esforço.

Foi nas novelas que começou Ruiz, ainda no Chile que viria a deixar para se exilar em França depois do golpe de Augusto Pinochet, e se Camilo existisse hoje talvez tivesse sido também guionista de novelas. Entregar uma obra de um dos nomes mais prolíficos da literatura portuguesa a um chileno (que a propósito fez também mais de 100 filmes em cinquenta anos de carreira) poderá parecer um exercício complexo.

Mas não. “Mistérios de Lisboa” vistos assim fazem todo o sentido. Um Camilo tão negro e tão político – sobretudo mais político – como nunca tínhamos visto (afinal a bagagem de Ruiz era pesada) só podia dar bom resultado.