Rui Costa: “Como dependemos sempre da Natureza, a esperança é a Última a morrer”

Rui Costa é uma das maiores figuras do surf em Portugal. É a cara de um dos maiores eventos de ondas realizados no país, que nos últimos anos tem trazido alguns dos melhores surfistas do mundo. Organizador do Allianz Capítulo Perfeito, tem como principal objetivo elevar a modalidade a um novo patamar

 

O Capítulo Perfeito surgiu em 2012. Como idealizou o evento e com que objetivos?

A ideia do Capítulo Perfeito surgiu em 2012. Estava em casa e surgiu assim do nada. Na verdade, sempre acompanhei os campeonatos e competi muito cedo, mesmo em miúdo. Um dos meus grandes amigos, o Pedro Monteiro, competiu muitos anos e foi atleta profissional, por isso sempre tive uma voz ativa e acompanhei as competições. Houve sempre um “bichinho”. Na altura, a Twice já trabalhava na produção de eventos e eu sempre pensei que, se algum dia viesse a fazer alguma coisa no surf, seria algo diferente. É no seguimento disso que um dia surge a ideia, talvez inspirado em coisas que fui vendo e nos campeonatos que fui observando. Mas, basicamente, é de querer fazer algo diferente que o conceito do Capítulo surge, daí termos pensado, desde o primeiro instante, em criar um evento que proporcionasse não só as melhores condições aos surfistas, mas também o melhor espetáculo aos espetadores, conferindo-lhes o poder de decisão: é o público quem escolhe os surfistas que quer ver competir. O meu foco sempre foi, a entrar e a fazer, teria de ser algo fora da caixa.

Este ano, a lista final de competidores é composta por oito atletas nacionais e oito internacionais. Quais são as regras para um surfista entrar nesta competição?

A maior regra de todas é ser um surfista especialista em tubos, alguém que durante todo o ano procura o tipo de condições tubulares que nós procuramos para darmos o call. Depois, é constar na short list que a organização elabora com a ajuda de especialistas e, por fim, ser um dos mais votados pelo público.

Esta 5.a edição do Capítulo Perfeito foi adiada. Quais foram os entraves à realização do evento dentro do tempo programado?

O grande entrave fica a dever-se ao facto de 2016 estar a ser um ano atípico (de El Niño), em que não foram registadas, em nenhuma ocasião durante o período de espera original, condições de ondulação e de vento favoráveis e suficientemente consistentes para proporcionar um dia completo de surf em ondas tubulares perfeitas na praia do Norte, inviabilizando assim a realização da prova. Tivemos um inverno com uma percentagem de incidência de ventos de leste muito baixa, e a pouca incidência que houve esteve associada a dias de ondas muito pequenas ou muito grandes. Foi um inverno de El Niño, com muitos ventos de oeste e de sul, sem qualquer registo de dias com ondas dentro dos parâmetros que a organização do Capítulo Perfeito procura. O novo período de espera (entre 5 de outubro e 15 de novembro) dá-nos excelentes expectativas, porque é uma altura em que a praia do Norte também produz ondas muito perfeitas, à altura do que procuramos.

Como seria um Capítulo verdadeiramente perfeito?

O Capítulo tem sido sempre verdadeiramente perfeito, cada ano tem a sua perfeição. Não há dois mares iguais, e isso é a parte boa deste desporto. Existe sempre o fator surpresa e, por isso, considero que o Capítulo tem sido sempre diferente mas perfeito. Agora, se tivesse de definir logo à partida o que seria o mais perfeito para mim neste evento, diria um dia com ondas de 3 metros tubulares e ainda mais surfistas reconhecidos mundialmente. Eles é que fazem o espetáculo.

Existem fatores que o impedem de atingir essa perfeição?

Como costuma dizer um grande amigo, um promotor de eventos de surf tem o papel mais ingrato de todos, porque faz um evento que depende da natureza. Do nosso lado, tudo está preparado, a única coisa que pode impedir a perfeição é a natureza.

A escolha da praia – que este ano será a praia do Norte, na Nazaré – é um dos pontos mais estratégicos do evento quando está a ser planeado?

O conceito do evento, que passa por procurar um dia de ondas tubulares, estreita muito a opção de praias. Daí podermos dizer que, dentro do que existe, temos escolhido essencialmente pela vontade local de receber o evento. A praia do Norte é uma praia muito internacional, talvez a mais internacional de Portugal, mas a mudança acaba por ser uma feliz coincidência. A génese do evento sempre foi poder acontecer em cinco destinos premium, ou seja, no melhor deles durante o período de espera. Logisticamente, por tudo o que evento engloba hoje em dia, tal não foi possível. Acabámos por optar por fazer dois anos em Peniche, dois anos em Carcavelos, e agora fazia todo o sentido virmos para a praia do Norte, uma vez que esta seria sempre a melhor opção daquelas que ainda não tinham sido escolhidas. Nesse sentido é uma feliz coincidência, já que a praia do Norte é, neste momento, a grande montra de Portugal. 

Que vantagens e mais-valias espera conseguir ao realizar a prova na praia do Norte?

Tratando-se de um beachbreak, as ondas partem muito perto da areia, logo ativam e incentivam ao espetáculo, sempre com as pessoas muito perto da ação. A mais- -valia é o desafio em si, porque para nós, enquanto organização, os desafios são mais-valias, são algo que nos acrescenta e nos faz superar-nos. Esta organização está consciente de que tem um desafio pela frente que, no fundo, se traduz em mostrar ao mundo que a praia do Norte tem ondas muito boas e de performance, onde os surfistas têm de possuir uma técnica elevada para conseguir dominá-las (ou, no caso do Capítulo Perfeito, entubá–las!).

Quais são as perspetivas que tem para o futuro do Capítulo Perfeito? 

Um dos motes desta edição é a qualidade extrema da lista de atletas, pois, na verdade, sendo estes ou outros 16 os escolhidos, no final seria sempre uma lista muito forte. Podemos dizer que este será o mote para um futuro a médio-longo prazo, até porque temos uma lista com grandes nomes, muitos deles reconhecidos mundialmente, free surfers na sua essência, sem qualquer obrigatoriedade para competirem e que procuram no Capítulo uma “montra” para se mostrarem. Isto acaba por captar muito as atenções porque, realmente, trata-se de surfistas muito especiais. 

O que aprendeu ao longo de cinco anos na pele de promotor de eventos?

Um promotor de eventos de surf tem uma profissão um pouco ingrata, porque mesmo fazendo tudo bem, no fim pode não acontecer aquilo que todos desejamos, se a natureza não colaborar. Da minha parte aprendi que devemos cumprir a parte que depende de nós da forma mais profissional possível, devemos dar importância aos pormenores porque eles fazem a diferença, ainda mais em eventos como os nossos, que não estão envolvidos em nenhum circuito.

O que acha da profissionalização da produção de eventos de surf em Portugal? Há mercado para todos? 

Portugal cada vez mais é uma referência no que aos eventos diz respeito. Passam por cá as principais provas do circuito mundial de qualificação e da primeira divisão do surf, temos um circuito nacional que tem crescido ao longo dos últimos anos e temos alguns eventos especiais, onde incluímos o Capítulo Perfeito e o Surf à Noite em Cascais, também organizado por nós, que são referências nacionais e internacionais e conseguem atrair milhares de pessoas para a praia. Em relação ao mercado, até agora tem havido espaço para todos. Acredito que o surf tenha atingido um patamar que vai para além da parte comercial e de marketing das marcas. O surf faz parte da estratégia do turismo e, como tal, acho que vai continuar a haver espaço para todos e inclusive para o aparecimento de mais oportunidades, fruto da excelente costa que temos em Portugal e nas ilhas.

Qual é a perceção de como o Capítulo Perfeito é visto lá fora?

A perceção que temos é de ser um evento cada vez mais conhecido e reconhecido, tanto pelo público como pelos surfistas. Para terem a noção da lista de surfistas internacionais de 2015 e 2016, tivemos surfistas na final de um dos eventos especiais mais antigos do mundo, que acontece na Indonésia; tivemos surfistas na final da triagem para um dos eventos do circuito mundial mais vistos, no Taiti, e depois no main event; tivemos surfistas nas finais da etapa logo no princípio do ano no Havai, mais concretamente em Pipeline, considerada a meca do surf; e ainda tivemos surfistas presentes nas sessões de surf mais faladas e perfeitas de 2016, entre elas Fiji. Tudo isto dá um estatuto ao evento que fala por si. Só o facto de termos estes surfistas disponíveis para figurarem na lista de escolhas do público, e depois comprometidos com o evento, é um motivo de orgulho para nós, mas também uma forma de mostrarmos o nosso trabalho e as nossas ondas além-fronteiras, uma vez que o alcance de social media que qualquer um deles tem é enorme.

O Capítulo Perfeito continua a ser um evento que cresce a cada ano. Que mérito atribui a si próprio por isso?

Tento simplesmente arranjar um equilíbrio entre o que dou ao evento e aquilo que ele me dá a mim. Tento criar um equilíbrio e viver com o evento, pois, a partir do momento em que este entra na minha vida, nesta altura do ano, acabo muitas vezes por ficar totalmente entregue a ele. Hoje em dia, passados cinco anos, a prova requer ainda muito de mim, mas já dá para controlar a ansiedade. Em termos profissionais, ano após ano, tem sido um desafio. Gosto de envolver-me, especialmente na parte dos conteúdos, pensar em novidades, surfistas e novas dinâmicas. Pessoalmente sinto que há uma preocupação muito grande que passa por inovar, por ser diferente, melhorar, apresentar algo que mantenha o público fiel, pois acredito que este só se tem mantido fiel porque é sempre surpreendido. É isto que passo às pessoas mais próximas de mim na organização para, juntamente com elas, podermos evoluir. No fundo, sinto-me um profissional muito privilegiado, porque sou a ligação dos variados profissionais que trabalham neste evento. Sem eles, nada seria possível, e são eles que tornam mais fácil o meu papel.

Quando vai a um evento de surf é capaz de desfrutar enquanto espetador ou está sempre na “pele” de promotor?

Se for a um evento de surf, a minha maior atenção é sempre para dentro de água, mas não escondo que a “pele” de promotor vem sempre ao de cima. Acho que sou uma pessoa que vive muito dos pormenores, daí não conseguir dissociar aquilo que o evento transmite dos pormenores de organização que ele tem para os convidados.

Qual é o surfista que gostaria de trazer a Portugal no âmbito dos seus eventos?

Não sei se apanharei essa fase mas, honestamente, gostava de ver o John John Florence, embora saiba que só poderá competir se passar a ser free surfer, coisa que não vai suceder tão cedo. Outro sonho: o Kelly Slater! Para já, está a competir, mas são duas pessoas que gostava de ver no Capítulo Perfeito.

Qual é a praia em que sonha vir a fazer um Capítulo Perfeito?

Não posso dizer o nome da onda, mas posso dizer que é em África.

Temos Rui Costa no futebol, no ciclismo e no surf também. Algum dia pensa transportar o conhecimento que tem vindo a adquirir para outras áreas?

Sim. A Twice tem sido contactada para fazer outro tipo de eventos noutras áreas. Aliás, antes de entrarmos no surf já trabalhávamos na produção de outro tipo de eventos. Temos tido o cuidado de analisar bem os desafios porque, à imagem do que fazemos no surf, queremos posicionar-nos na categoria de eventos especiais, eventos que possam ser criados por nós.