Europa, o calcanhar de Aquiles da geringonça

A rentrée do BE não podia ser mais clara. O partido está cada vez mais longe “desta Europa”. Há quem acredite que mais cedo do que tarde vai ser inevitável uma clarificação à esquerda

A Europa e as regras de Bruxelas “são uma força de bloqueio ao desenvolvimento do projeto do governo do PS apoiado pela esquerda”. Para José Manuel Pureza, vice-presidente do parlamento e dirigente do Bloco de esquerda (BE), é praticamente uma inevitabilidade que a questão europeia não venha a atravessar-se no caminho da governação de esquerda. “Se queremos ser fiéis aos propósitos do acordo vamos ter de enfrentar de forma muito clara a questão europeia”, disse o dirigente ao i no final da ‘rentrée’ do BE, em Santa Maria de Feira.

Ou seja, para o dirigente do Bloco, “o cumprimento escrupuloso das regras europeias”, nomeadamente em matérias como a qualificação dos serviços públicos ou de investimento público, “acabará por colidir com a ação do governo e os princípios estabelecidos à esquerda” se não houver resistência às imposições da União Europeia.

José Manuel Pureza foi, então, mais longe. De acordo o dirigente do partido, para se cumprir o acordo entre BE e PS, o governo em “muitas situações vai ter de enfrentar e desobedecer a Bruxelas”.

Por isso, prosseguiu, “é inevitável que mais cedo do que tarde exista a necessidade de tomar uma posição clara: ou aceitar a compressão orçamental exigida por Bruxelas ou prosseguir uma política de recuperação de rendimentos e acabar com o empobrecimento”.

“Penso que há todas as razões para acreditar que António Costa e o PS estão empenhados em honrar os compromissos à esquerda, e neste caso falo no acordo com o  Bloco de Esquerda”, concluiu, lembrando que o governo fez “mais do que alguma vez se tinha feito” em matéria de enfrentamento com Bruxelas.

Já no dia anterior, sábado, o antigo coordenador do BE Francisco Louçã tinha trazido para o centro do debate as questões europeias.

Para o também conselheiro de Estado, a “União Europeia é um projeto falhado, uma vez que não pode representar aquilo que promete e o que representa é o contrário do que prometeu”.

“Prometia convergência e tem divergência. Prometia melhoria social e tem, pelo contrário, a degradação das condições de vida das classes populares”, acusou.

O ex-dirigente do partido considerou, por isso, que a União Europeia “é uma máquina de austeridade, privatizações, de pressão e de destruição em permanência”.

“A saída é sempre imperativa para que haja uma alternativa em que se possa recuperar soberania, decisão, democracia, capacidade do povo poder fazer escolhas”, advogou.

A líder do bloco, Catarina Martins, lembrou que o próximo Orçamento do Estado do próximo ano tem de ser de continuidade em matéria de reposição de direitos e terminar com o empobrecimento do país.

Catarina Martins aproveitou o encerramento do encontro para balizar alguns dos pontos que o BE quer ver consagrados na proposta que o governo tem de fazer entrar no parlamento até 15 de outubro.

“Sabem o caminho que temos feito e que continuamos a fazer”, acentuou, lembrando que o partido tem “um acordo para parar o empobrecimento em Portugal e é esse o compromisso” que o vai guiar.

Para 2017 “é essencial responder pelas pensões e atualizar o Indexante de Apoio Social, que está congelado desde 2009 e com isso penaliza mais quem menos tem. O caminho de recuperação de rendimentos não pode abandonar quem trabalhou toda uma vida nem deixar de fora as maiores vítimas da crise e da austeridade”, defendeu. 

Assegurou que o próximo ano vai ser o do combate às rendas na saúde e energia, depois “da coragem de terminar com as rendas aos colégios privados”.

Catarina Martins lembrou ainda que, tal como este ano, o OE para 2017 tem de estar focado no cumprimento das posições conjuntas assinadas e que permitiram “uma nova maioria de esquerda”.

Reafirmou que o partido quer essas disposições cumpridas dentro dos prazos, abrindo assim portas para que nos dois últimos anos da legislatura (2018 e 2019) haja condições para lançar políticas de crescimento, financiar investimento e “medir o sucesso do único critério que importa: o emprego”.

A coordenadora do Bloco também não esqueceu a questão europeia, lembrando que em setembro vai começar em Bruxelas o debate entre a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu com a suspensão de fundos estruturais a Portugal [e Espanha] em cima da mesa.

Para Catarina Martins “a ameaça de sanções sobre os fundos estruturais é apenas uma das muitas formas de pressão do diretório europeu para condicionar o Orçamento do Estado para 2017”.

Mas, concluiu, “nenhuma chantagem pode fazer-nos perder a clareza das nossas razões”.