Basílio Horta: ‘’Governo confiou demasiado na procura interna’

Antigo fundador do CDS e autarca eleito pelo PS mostra-se «desiludido» com o crescimento económico e diz que o Governo confiou demasiado na procura interna

Basílio Horta: ‘’Governo confiou demasiado na procura interna’

Como qualifica a forma como o Governo geriu a questão do processo da Caixa Geral de Depósitos (CGD)?

É uma situação inacreditável. A CGDdeve ser vista como instrumento útil na gestão do Estado e é uma instituição que não merece ser desrespeitada e desprestigiada. Para já, é injustificado haver 19 administradores para a Caixa e é uma situação verdadeiramente anormal administradores executivos serem obrigados a fazer cursos pagos pela própria Caixa. Não sei como é que as pessoas são convidadas para a CGD se não têm nenhuma experiência bancária. Pior ainda quando o Estado vai injetar 4,7 milhões de euros, dos quais 2,7 é dinheiro direto dos contribuintes. 

Finalmente há outro aspeto – esse era o que eu mais gostaria de saber – é o que o Governo pensa sobre a CGD. O que vai fazer da Caixa e qual o retorno que quer ter? 

Acho que a CGDnunca deve ser privatizada, mas o Estado tem de saber o que quer dos seus bens. Quando se injeta tanto dinheiro num banco público, é necessário dizer que fim é que se pretende dar. A minha experiência pública diz-me que temos bancos a mais e temos uma frágil economia. Dá-me vontade de dizer que temos bancos a mais e economia a menos. O que estamos a ver é que o crédito vai cada vez mais para o imobiliário e cada vez mais para o consumo. O crédito para o investimento é mínimo, a poupança nacional está muito degradada e isto não são bons sinais.

Como é que se soluciona isto?

É preciso ter uma estratégia de desenvolvimento. O sistema financeiro é um instrumento que deve ser reorganizado, deve haver menos bancos e mais especialização. A nossa economia depende da investigação e depende fundamentalmente da mais valia da oferta. A ligação às universidades, aos centros de desenvolvimento e de investigação é fundamental. O Governo anterior confundiu despesa com investimento e cortou nisso, porque não tinha nenhum tipo de estratégia. Nós temos bons empresários, temos de aproveitar a imaginação que os portugueses têm e pô-la ao serviço da economia.

Acha que o atual Governo não tem feito isso?

Tem feito melhor do que o anterior. Nós podemos dizer que este Governo tem muitos erros, mas a alternativa é seguramente pior. Temos um partido de alternativa que está à espera que o Governo caia para quê? Para depois aparecer e ter a medalha de ouro de comportamento do Sr. Schäuble [ministro das Finanças alemão]? Para fazer mais pobreza, menos economia e mais dependência? Nós já vimos essa história. Por muitos erros que este Governo faça, sou um claro apoiante, enquanto a alternativa for esta.

Que erros?

A Caixa Geral de Depósitos, por exemplo. Acho que a questão não foi bem conduzida e o que está acontecer no sistema financeiro não está a ser bem equacionado.Este Governo tem uma dificuldade e nós temos que reconhecer: é um Governo que se pauta pelos princípios da UE e pelos princípios do Tratado Orçamental, embora entenda que Portugal não se deve pôr em bicos dos pés nem de joelhos – o que não acontecia com o Governo anterior. A pergunta é se esta visão essencial é partilhada pelos parceiros da coligação. Se não é, então temos um carro que anda com as rodas de lado.

Acha que a geringonça pode não facilitar muito este trabalho?

Obviamente, mas esta solução governativa foi indispensável. Se era a que eu gostava, obviamente que não. Agora, perante o quadro que existia, não temos culpa que a direita tenha feito um bloco e tenha feito uma bipolarização. As pessoas equilibradas e centristas no método não gostam disto. Não se revêem nessa rigidez, nesta incapacidade de dialogar. Portanto quando há muita gente do centro direita que não concorda com a geringonça, temos de lhes perguntar por que razão existe a geringonça e se não têm responsabilidade direta nisso.

De quem é a responsabilidade do que está a acontecer à CGD? 

A responsabilidade é do Governo, dos governos passados e dos que fizeram operações que levaram a um buraco de milhares de milhões na Caixa. Quando se fala em prejuízos do banco do Estado, estamos a falar em prejuízo dos contribuintes, mas apontar a culpa toda a este Governo não é sério. Temos que ver a CGD desde o princípio.

Andámos tanto tempo a criticar o modo negativo como era gerida a banca privada, mas isso também não está a acontecer na banca pública?

Há muita gente que pensa que o dinheiro público não é de ninguém e que pode ser gerido de qualquer maneira. Para um gestor público, seja ministro seja presidente de câmara, não há nada mais sagrado do que o dinheiro dos contribuintes. Cada cêntimo utilizado tem de ter uma explicação.Desde o primeiro dia, tive três princípios nesta câmara: controlar a despesa, aumentar o investimento e descer os impostos. Desde que cheguei, poupei cerca de 60 milhões de euros em despesa corrente e hoje a Câmara tem disponibilidades na ordem dos 70 milhões de euros. Não tem praticamente dívida porque a paguei. Já desci dois pontos no IMI e este ano, se mantivermos a situação financeira, iremos descer entre dois a quatro pontos. Somos o primeiro investidor no concelho, estamos a investir 40 milhões e para o ano serão mais 36 – 20 milhões da UE, 16 nossos. Tive de extinguir três empresas municipais que davam 13 milhões de euros de prejuízos, tive de acabar com 25 avenças e fiz um corte entre 20 a 35% em todo o fornecimento da Câmara. Não é milagre nenhum, é estratégia desde o primeiro momento.

As imposições do BCE foram uma humilhação para o Governo?

Claro que foram. O Governo levou uma grande lição e o secretário de Estado do Tesouro ainda maior. Agora vem dizer que altera a lei? Isso é uma coisa espantosa e nunca antes vista. O Governo anterior até podia fazer coisa destas, mas o Governo que eu apoio não. E apoio que porque entendo que se houvesse uma crise política agora, seria devastador para Portugal. 

Concorda com Comissão Parlamentar à CGD?

Só depois de ver os efeitos saberei se foi útil ou não. Se for para desprestigiar mais a Caixa, é um grande erro. Se for para apurar o que se passou, ver o erros para não se repetirem, então muito bem. 

Foi muito crítico das novas regras do IMI. Mantém essa posição?

Elas já existiam, mas a grande questão que se punha é se elas deviam ser eliminadas ou aumentadas. O Governo em vez de as eliminar, como devia, aumentou-as e isso é inacreditável. 

Na altura até tinha questionado se não seriam inconstitucionais…

Até admito que sim, mas a inconstitucionalidade é o menos relevante. O que é importante é o problema da justiça, da objetividade e das linhas da fiscalidade. Esta lei não é objetiva e não é justa.Em Sintra, os contribuintes não vão ser prejudicados porque não vamos aplicar estas regras. Já descemos dois pontos e agora vamos continuar, mas tudo depende da situação financeira em que estivermos e do país. 

Como é que se gere tudo isto? É que diminuir o IMI implica que haja dinheiro que não entra…

Há dinheiro que não entra, mas  temos disponibilidades e cortámos na despesa pública. É preciso cortar na despesa e quando isso não acontece, ou não se fazem investimentos ou aumenta-se a dívida. Eu acho que ser ministro das Finanças não é tão complexo assim. 

Como assim?

Um ministro das Finanças até pode ser um grande mestre mas se não souber nada da vida, se nunca assinou um cheque, se nunca geriu uma empresa, está diminuído. Num país como o nosso, em que as necessidades são tantas e o dinheiro é tão pouco, tem de se ter uma estratégia para satisfazer as necessidades, tem de se aumentar o rendimento e é necessário fiscalizar. A fiscalização é um trabalho que considero primordial porque quando estou a fazer isso, estou a gerir o dinheiro dos outros e não o meu. A modéstia, não é a humildade, no serviço público talvez seja preciso em Portugal.

Acha que o atual Governo está a fazer isso?

Não está a fazer tanto quanto eu gostaria, mas o outro fez muito pior. 

Está desiludido com o pouco crescimento económico? Alguma vez achou que as metas do Governo pudessem ser cumpridas?

Estou desiludido, mas mais do que isso estou muito preocupado. Com este desenvolvimento é difícil criar emprego. Acho que o Governo confiou demasiado no aumento da procura interna para o crescimento económico. Eu prefiro fazer metas mais baixas e atingi-las por cima, não gosto tanto de fazer metas altas e depois diminuí-las. Eu teria feito as coisas de maneira diferente: acho que o mercado interno é bom, mas apoiaria mais a internacionalização. 

Relativamente à ida dos partidos portugueses ao congresso do MPLA, há quem considere que houve uma prestação de vassalagem. Concorda? O que achou das declarações de Hélder Amaral?

É outra história triste. Olho para isto tudo com prudência. Uma coisa é respeitar o Estado, isso sim, outra coisa é seguir as linhas do partido e elogiá-las e foi isso que aconteceu. É preciso um meio-termo, chama-se dignidade. Não só da parte do CDS, não vamos só pôr isso no Hélder Amaral. Ele foi longe demais, mas é angolano, tem a mãe lá e desloca-se muitas vezes ao país. É preciso perceber o homem antes do político. 

Como olha para o CDS hoje em dia?

Com distância, mas sem frieza ainda. O CDS agora é um partido que depende do Governo e que só quer ir para o Governo com o PSD. É um apêndice, falta-lhe independência, falta-lhe arrojo e um discurso democrata-cristão forte. Assunção Cristas é uma figura simpática, mas Paulo Portas marcou o partido de uma maneira indelével. Tinha um discurso e uma estratégia, mas penso que agora está a comprometer e muito o seu futuro político. 
O Dr. Portas tem todo o direito de fazer consultoria e ganhar o dinheiro que quiser, mas acho que quis enriquecer muito depressa. Agora não pode é voltar à política. Nunca votaria nele para Presidente da República a partir de agora.  É por isto carreira política devia ser paga justamente, mas devíamos ter uma classe política mais restrita, mais responsável, mais escrutinável e mais dedicada ao serviço público. Eu lembro-me do Dr. Paulo Portas dizer que não sabia assinar um cheque, que era a mãe que os assinava, mas agora já deve saber. Pelo menos recebê-los.
É presidente do Conselho Metropolitano de Lisboa (CML). Qual o poder que o organismo tem?

O CML pode ter tecnicamente importância, mas em termos de expressão política tem pouca. Acho que a lei que rege o CML deve ser alterada. É preciso clarificar quem manda, porque numa coisa é o presidente e os vice-presidentes, mas para outras é o presidente da comissão executiva, que faz o que entende. Não sou pessoa que conjugue o verbo desistir mas, mantendo esta estrutura, serei presidente do Conselho Metropolitano até ao fim do mandato, mas nunca mais. Também é uma questão de dedicação. A Câmara de Sintra leva-me quase todo o tempo e para dedicar tempo a ser presidente do CML ou o dia tem 48 horas ou não se não pode dedicar o tempo suficiente. 

Enquanto autarca, também se junta ao coro de outros presidentes de câmara que defende uma maior atribuição de poder ao poder local e uma menor concentração no poder central?

Se o Governo quer descentralizar, pode fazê-lo, mas com uma regra de ouro: a descentralização não pode ser uma forma de aliviar o Orçamento do Estado – o Governo anterior tinha muito essa ideia. 
Sou a favor da descentralização quando ela é bem feita. Nós sabemos resolver os problemas mais rapidamente e com maior competência que o Governo central. Mas quando é um instrumento político para aliviar despesas e responsabilidades, a descentralização é péssima. 

Está surpreendido com a Operação Marquês e com os factos de que é suspeito José Sócrates?

Ninguém está livre de ser investigado portanto o que é importante é que a investigação seja feita, que se cumpra a lei, que se cumpram os prazos e que ninguém seja condenado antes de uma sentença judicial. 
Eu trabalhei com o Eng. Sócrates durante o primeiro governo e foi um grande governo, o segundo já não tanto. Nunca me fez um pedido e muito menos uma exigência. Quando vi isto fiquei muito surpreendido e com muita pena porque tinha uma ideia diferente do que está a acontecer com esta investigação. Mas o que tenho de fazer como pessoa que trabalhou com ele e que respeitei, é aguardar que os tribunais cumpram a sua função e que o absolvam ou o condenem. 

Como é a sua relação com o Presidente da República? Concorda com a sua forma de governar?

Tenho uma ótima relação com Marcelo Rebelo de Sousa. É um grande Presidente e concordo plenamente com esta forma de governar. O país estava ansioso de afetividade e o Prof. Marcelo percebeu isso. É um homem que conhece bem o país e é um homem de afetos, não é assim que vai perder respeito. É cá dos nossos.

Já decidiu se vai recandidatar-se às próximas autárquicas?

Não me tenho preocupado com isso, ainda falta um ano. O que é natural é que eu me recandidate, mas a decisão ainda não está tomada.  Há um conjunto de investimentos que estão a decorrer e que gostava de ver concluídos, mas não os vou ver no final deste mandato. Queria continuar com esta política de controlo de despesa, de investimento e diminuição de impostos. Aplicar em Sintra aquilo que fiz durante a minha vida pessoal e profissional. Agora os munícipes é que hão de decidir. O povo é quem mais ordena.