Ex-adjunto de Cavaco acusa Sócrates de “operações encobertas”

Polémicas da presidência de Cavaco relatadas por assessor de longa data. Fernando Lima põe termo a silêncio imposto por “dever”e faz revelações sobre os dez anos em Belém

O homem que foi responsável pela comunicação de Cavaco Silva durante mais de duas décadas saiu da sombra. 

Numa autobiografia prestes a ser lançada, Fernando Lima acusa o governo socialista de José Sócrates de “operações encobertas”. “Nas operações encobertas, é quase impossível identificar quem age e a mando de quem. (…) O tempo ajudou-me, porém, a confirmar as desconfianças. Mesmo depois de sair da assessoria para a comunicação social, continuei a ser um alvo de quem me seguia. Situações estranhas, que descrevo no livro, foram-me acontecendo sem que encontrasse uma razão plausível. Só pararam quando o governo de José Sócrates foi substituído. Deixaram-se inclusivamente de ouvir as queixas daqueles que suspeitavam também de serem vigiados”, recorda. 

Lima, adjunto de Cavaco Silva de 1986 a 2009, publica as suas memórias na semana que vem, não sendo este o seu primeiro trabalho sobre política. O livro inclui as histórias de como Belém travou a compra da TVI pela PT a mando do PS, como Cavaco não se mostrou disponível para ajudar Sócrates a encontrar “apoios internos” durante a crise, o referendo do Tratado de Lisboa, o caso BPN e a promulgação do diploma do TGV.

“Vigilância” e não “escutas”
Lima foi afastado de Cavaco para um lugar mais discreto na Casa Civil da Presidência da República aquando da polémica das “escutas”, que também vem esclarecer neste livro. O autor assume terem acontecido “situações que ultrapassaram” a sua “própria imaginação”, lançando a curiosidade sobre as páginas que ainda estão por chegar ao leitor.

Num depoimento pessoal que foi distribuído à imprensa, o autor reitera que “nunca se falou em escutas” e que a única questão colocada à comunicação social foi: “Não havendo qualquer informação pública sobre a participação de assessores, como é que os acusadores [do governo de Sócrates] sabiam?”.

Membros do PS haviam insinuado que os assessores da presidência auxiliavam a oposição, liderada por Manuela Ferreira Leite, que fora, anos antes, ministra da Educação num executivo de Cavaco Silva.  

Para Fernando Lima, “a presidência era o único poder que não se deixara submeter à lógica de quem governava”, dando a entender que o texto não sofrerá de qualquer leveza no que toca ao tratamento dos tempos de José Sócrates no poder. O ex-primeiro-ministro conviveu cinco anos com Cavaco Silva como presidente da República.
Lima sublinha que “nunca” falou de escutas “mas, sim, em vigilância”, defendendo-se em relação ao caso que fez com que fosse afastado do dia-a-dia do presidente em 2009.  

O autor esclarece: “Agora, é tempo de usar o direito à minha defesa”. E lembra que respeitou o convite que recebeu do presidente para continuar em Belém no segundo mandato, “até ao fim”. “Por sua vontade, permaneci em Belém no segundo mandato, ficando por isso sujeito a um dever de reserva”. 

Crítica a Cavaco
Com a saída de Aníbal Cavaco Silva da presidência, Fernando Lima considera que o seu dever de reserva prescreveu, tendo  decidido contar “a verdade dos factos”, não “uma versão”. Lima critica o ex-presidente, afirmando que “as reações que mais penalizaram Cavaco Silva tiveram a ver com atitudes incompreensíveis”.

Acerca da relação entre ambos, depois do “caso das escutas”, afirma que “ficou afetada”. “Ainda hoje, não compreendo que tenha tido comigo comportamentos que considero inexplicáveis, depois de termos convivido ininterruptamente, desde que comecei a trabalhar com ele em 1986. Confesso que não o esperava” – recorda, deixando transparecer desilusão em relação a Cavaco. 

Lima conclui que é o livro que “não gostaria de ter escrito”, mas o livro que teve de escrever. 

Alternadamente com a assessoria de imprensa a Cavaco, Lima fez carreira jornalística: liderou a delegação lisboeta do “Jornal de Notícias”, entre 1977 e 1987, dirigiu a agência de notícias ANOP, em 1982, foi correspondente do jornal espanhol “ABC”, entre 1999 e 2002, e também diretor do “Diário de Notícias”, entre 2003 e 2004. Nos meandros da política, serviu como assessor em todos os governos constitucionais liderados por Aníbal Cavaco Silva, como adjunto do embaixador Martins da Cruz no Ministério dos Negócios Estrangeiros e como consultor de toda a presidência de Cavaco Silva, entre 2006 e 2016. 

“Na Sombra da Presidência – Relato de 10 anos em Belém”, que chega às livrarias pela Porto Editora no dia 8 de setembro, representa um testemunho único de todas as polémicas da passagem de Cavaco pelo Palácio Belém.