Michel Temer: um presidente na corda bamba

O novo líder do Brasil seduziu o G20 com medidas de austeridade que vai adiando em casa, testando já as novas alianças 

Michel Temer: um presidente na corda bamba

Michel Temer sabia que o pior estava para vir, no momento em que foi ratificado presidente. Os congressistas soçobraram ao destituir Dilma, votaram em separado os seus direitos eleitorais e permitiram que a sombra da ex-presidente se mantivesse no horizonte, recordando-lhe os dias de número dois e  homem de conveniências parlamentares.

Temer sabe, portanto, que é um presidente à condição e impôs-se a si próprio a missão de Itamar Franco, que, em 1992, ao ocupar o lugar do destituído Collor de Melo, eliminou a  prolongada inflação brasileira. Diz não pretender candidatar-se em 2018 ao cargo que agora ocupa (há quem duvide), mas nem por isso deixa de ter pela frente um duro – e duplo – papel.

Na sua primeira semana como líder ratificado, demonstrou já algumas dificuldades. As ruas detestam-no quase na mesma medida que detestavam a sua antecessora, mas o mesmo não acontece com os investidores. Temer tem a seu favor a aura de reformista: desde que assumiu provisoriamente a presidência, em abril, o antigo vice vem prometendo um programa de austeridade mais rigoroso do que o de Dilma, mudanças na legislação do trabalho e das pensões e um teto à despesa públicas para os próximos 20 anos. O setor financeiro sorriu, o real deixou de desvalorizar em relação ao dólar, as bolsas subiram – 30% só a de São Paulo – e afinal a riqueza vai cair menos no próximo ano do que era esperado.

Ainda o Congresso não tinha arrefecido da destituição de Dilma Rousseff e já Temer apanhava um avião para a China, Hangzhou, com onze contratos de investimento na mala e a missão de restaurar no G20 (o grupo que reúne as maiores economias do mundo) a imagem da pior economia do bloco. E teve algum sucesso: foi convidado a visitar a China, o Japão e a Espanha. No final deste mês, viajará para a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, em outubro estará na Índia, para o encontro dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Na missão de enviado económico e diplomático, Temer conseguiu, assim, o que queria, como salientou à BBC Oliver Stuenkel, professor na Fundação Getúlio Vargas: “O facto de Temer se ter reunido agora [com outros líderes] demonstra que os outros o reconhecem como presidente legítimo, claramente. Mas acima de tudo demonstra também que o Brasil se mostrou importante de mais para ser deixado de lado”.

Cravo e ferradura Mas se Temer acertou na mensagem internacional, parece ter errado na doméstica – e quem o admitiu foram os seus próprios conselheiros, que falaram sob anonimato ao “El País”.

Nas palavras do novo presidente, os protestos diários em nome de novas eleições não passavam de manifestações de “grupos mínimos” (“as 40 pessoas que quebram carro?”, lançou a uma jornalista). Não podia ter errado mais o alvo: no mesmo dia, domingo, dezenas de milhares de pessoas marcharam em São Paulo, foram violentamente dispersadas pela polícia e incendiaram um caixão com o seu nome e cara. Ainda em viagem, o governo foi obrigado a reagir e calibrar o discurso: os protestos, afinal de contas, eram em número “substancial”, como admitiu o ministro brasileiro das Finanças, Henrique Meirelles, mas “minoritário” quando comparado com as maiores demonstrações contra Dilma Rousseff. 

PSDB apoia, para já Temer terá de agir como equilibrista e funâmbulo, tantos são os obstáculos à sua agenda. As reformas que prometeu podem incendiar ainda mais as ruas, daí que, por agora, o novo presidente tenha aumentado os salários da função pública e prometido conservar uma boa parte dos programas sociais do Partido dos Trabalhadores.

Mas os seus novos aliados não estão contentes. Quando soube ontem que Temer pretende adiar as reformas mais duras para depois das eleições municipais, Aécio Neves, líder do PSDB e agora o grande pilar de apoio do governo do novo presidente, mostrou-se desagradado:  “O presidente tem de dar sinais claros. Vamos aguardar o seu regresso. Se não mandar agora, vai mandar quando?”. 

Muito do sucesso de Temer será decidido pelo clima nas ruas. Os protestos mais volumosos deram-se até agora apenas em São Paulo, que, tal como o Rio, espera novas manifestações esta semana. Eleições antecipadas parecem um cenário impossível, mas as manifestações podem aliciar progressistas contra a austeridade, de uma maneira que a defesa de Dilma não foi capaz. Ocombate à agenda de Temer “tem uma capacidade de mobilização muito maior” e “esses protestos servem para denunciar que Temer é um presidente sem votos, que não dialogou com a sociedade porque não apresentou as suas propostas” –  argumenta ao “El País” Esther Solano Gallego, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo.