Incêndios potenciam reconstrução do Funchal

O governo regional tem como prioridade o realojamento de quem ficou sem casa. Mas será seguro construir onde ardeu? O geógrafo Raimundo Quintal aconselha uma mudança estratégica, que passa pela reconstrução na zona histórica da cidade.

Incêndios potenciam reconstrução do Funchal

«É preciso olhar para amanhã», lembrou Marcelo Rebelo de Sousa assim que aterrou no Funchal, dois dias depois dos grandes incêndios que destruiram parte da cidade. E assim foi. Ainda o cheiro a queimado não se tinha dissipado e já a população procedia às limpezas necessárias para se voltar a circular sem impedimentos pelas estradas, ao mesmo tempo que o governo regional tratava do realojamento imediato das famílias que ficaram sem casa.

Foi essa, aliás, a grande preocupação da secretária da Inclusão e Assuntos Socais, que avança ao SOL os números de um mês de trabalho. «Se na primeira semana conseguimos realojar 50  famílias, atualmente já são 93», explica Rubina Leal. Para este trabalho, o governo regional explorou o mercado de arredamento para encontrar as casas, que foram posteriormente equipadas com eletrodomésticos, móveis e um kit com bens essenciais.

Atualmente, estão a decorrer obras em 36 casas, com verbas disponibilizadas através do Fundo de Socorro Social, cujo plafond inicial era de 163 mil euros, mas que já foi reforçado em 924 mil euros. Além disso, está prevista a reconstrução de 34 novas casas, aproveitando prédios devolutos da baixa da cidade, propriedade do governo regional. «Além de aproveitarmos o património, construímos em zonas mais seguras», refere Rubina Leal. A governante lembra que as casas só serão construídas ou reconstruídas mediante licença própria e que essa só se adquire depois de comprovada a segurança do local. «Uma casa que tenha tido licença de construção há vinte anos, não quer dizer que volte a ter agora», lembra. «A Madeira é um espaço muito pequeno e, por isso, há zonas de risco que vão surgindo todos os anos».

 

Um terreno especial

Raimundo Quintal reconhece o esforço de autarquia e da população, mas a experiência já o faz ter dúvidas sobre a «solidariedade dos quinze dias» após a tragédia. O investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa e antigo vereador do Ambiente do Funchal baseia-se na história para lembrar que a Madeira é um palco de incêndios e cheias sucessivas.

«O grande problema da Madeira está nas zonas entre os 400 e os 600 metros» onde existem casas, algumas delas construídas ilegalmente, junto a zonas de mata, diz. O geógrafo lembra que a zona verde da ilha está repleta de pinheiros, eucaliptos e acácias, o combustível perfeito em caso de fogo. «Se em meados do século XIX se plantaram imensos pinheiros e eucaliptos, nos anos 60 a lenha deixou de ser vista como negócio», criando nessas florestas abandonadas aquilo a que chama «zonas explosivas».

Para Raimundo Quintal, não há soluções imediatas mas há estratégias a serem repensadas. «É a grande oportunidade de reconstruir a zona histórica da cidade», salienta, dando como exemplos de zonas mais seguras para a construção o Lido, Santa Catarina e o centro histórico. «As casas destruídas não podem ser reconstruídas nos mesmos locais. Já se provou que não são zonas seguras e estão agora ainda mais expostas à erosão», acrescenta.

Além de alterações na construção, Raimundo Quintal defende o regresso da população ao pastoreio, o que ajudaria a controlar o crescimento da mata, também essa com urgência de mudança. «É necessário cortar pinheiros e eucaliptos, substituindo-os por vegetação herbácea, intercalada com castanheiros e nogueiras que, além de serem menos inflamáveis, podem também gerar negócio», refere.

 

As contas da reconstrução

O governo regional da Madeira prepara esta semana uma viagem a Lisboa para aquela que vai ser a terceira reunião com o secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, Nelson de Souza, desde os incêndios de há um mês. Desta vez, a secretária regional traz consigo um relatório no qual aborda a questão do financiamento. «Estivemos a fazer um levantamento de tudo o que ficou afetado e agora vamos apresentar os valores necessários para a reconstrução», refere.

Das 233 casas atingidas pelos fogos, 154 ficaram totalmente destruídas e 79 apenas parcialmente. Feitas as contas, dos 157 milhões de euros de prejuízo, o executivo regional calcula que serão necessários 17 milhões para a requalificação urbanística e cerca de 50 milhões para a recuperação de infraestruturas e equipamentos públicos, incluindo a limpeza das escarpas e taludes sobranceiros às estradas. A governante lembrou ainda que existem estradas cortadas ao trânsito, onde ainda não se conseguiu retirar a totalidade dos escombros.

 

Reconstruir a cidade

A Câmara Municipal do Funchal aprovou a criação do Gabinete da Cidade, que vai ficar incumbido de produzir um «trabalho de diagnóstico e estudo» e de «repensar» a capital madeirense. Numa perspetiva mais global de intervenção segue outros exemplos do país, como o da reabilitação da zona do Chiado, em Lisboa, depois do incêndio, explicou o presidente da Câmara Paulo Cafôfo, aquando da apresentação da equipa composta por três arquitetos, a que se juntam técnicos da câmara. «Estamos a falar na reconstrução de edifícios, não só os afetados, mas também outras áreas da cidade que necessitam de uma intervenção», acrescenta.