Mariana Mortágua defende-se

O discurso de Mariana Mortágua na rentrée do PS deu polémica todo o fim de semana.

PSD e CDS não pouparam nas críticas à bloquista que acusam de querer perseguir quem poupa. A direção socialista veio defender a convidada do BE. E agora Mariana vem defender-se explicando o que quis afinal dizer.

“Aos que se têm entretido a distorcer as minhas palavras porque ter discussões sérias dá muito trabalho: taxar riqueza acumulada não é taxar poupança”, começa por dizer Mariana Mortágua no Twitter, onde esclarece a diferença entre uma coisa e outra.

“Taxar riqueza acumulada é: taxar a riqueza que permite que o número de milionários aumente e com isso acabar com a sobretaxa de IRS sobre a classe média”, sublinha a deputada do BE, que continua dizendo que “taxar riqueza acumulada é: conseguir taxar riqueza que de outra forma tem fugido para aumentar pensões, RSI, CSI, abono aos mais pobres”.

Mariana Mortágua usa o exemplo de um banqueiro e de um bancário para ilustrar a sua posição, frisando que se trata de um pedido por maior equidade fiscal. “Poupança ou riqueza acumulada? Ricardo Salgado, riqueza acumulada. Trabalhador de banco, poupança. Diferença? O segundo já paga muitos impostos e o primeiro não”.

A reação da dirigente do BE surge depois da polémica que provocaram as suas palavras na conferência que o PS organizou durante o fim de semana em Coimbra. Na sua intervenção, Mariana incitou o PS a procurar novas formas de encontrar receita fiscal.

“A primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular dinheiro”, disse Mortágua em Coimbra para defender o imposto sobre património imobiliário global que tanta celeuma deu.

“Quando estamos a apresentar taxas sobre grandes patrimónios ou grandes rendimentos estamos a fazê-lo porque queremos diminuir as desigualdades, mas também porque dizemos que uma sociedade estável não é uma sociedade que permita a acumulação brutal de capital nos 1% do topo. Não temos de ter vergonha de uma política social deste género”, defendeu, lançando a bola para o lado do PS, o partido que está no Governo apoiado no Parlamento pelas esquerdas.

“Cabe ao PS – acho eu com toda a humildade – se quer pensar as desigualdades, pensar também o que pensa do sistema económico hoje em dia, do capitalismo financeirizado e até onde está disposto a ir para tentar encontrar uma alternativa a esse sistema capitalista”, afirmou a bloquista numa declaração que não tem parado de gerar reações desde aí.

As críticas da direita

"O Bloco de Esquerda pede ao PS para que perca a vergonha de ir tributar aqueles que, pagos os seus impostos, cumpridas as suas obrigações, consegue, ainda assim, pôr algum de lado, para comprar uma casa, acautelar a reforma, estudar, deixar aos filhos, investir ou criar postos de trabalho", atacou o dirigente do CDS Adolfo Mesquita Nunes, que desafiou os socialistas a explicarem se concordam com a proposta do BE.

"Num país sem poupanças, o Bloco de Esquerda pede ao PS para que perca a vergonha de ir tributar não os rendimentos mais elevados, não os consumos de luxo, mas as poupanças daqueles que aforram", frisou o centrista.

“Do Bloco até se espera esta "coisa", mas do Partido Socialista de António Costa?! Há pouco ouvi a palavra Venezuela… Mas devo-me ter enganado… Não?”, comentava no Facebook o deputado do PSD Luís Vales, enquanto outro social-democrata, Virgílio Azevedo citava a comentadora do Observador Helena Matos para atacar Mortágua. "Quando a sala socialista rompeu num aplauso após Mariana Mortágua ter defendido o seu modelo leninista de confisco, estamos perante um facto que nos vai marcar no futuro: o PS deixou de ser confiável.", escreveu no Facebook o deputado do PSD, numa citação de uma crónica de Helena Matos.

Direção do PS apoia Mariana, Sousa Pinto ataca-a

As críticas vieram, porém, também de dentro do PS. “Chegou a alvorada de Abril e a primavera dos povos, versão Madame Tussaut. Não há esganiçado que não bata com a moca da igualdade no chão, para levantar pó e celebrar a morte da direita. Parados no passado a atrasar o futuro e a teorizar a resplandecente justiça social inerente ao socialismo de miséria. Querem reabrir a gaveta onde Soares fechou diferentes caricaturas do Socialismo. Não escondem ao que vêm: superar o modelo. Ora, eu gosto do modelo. Foi construído pelo PS, com tremenda dificuldade, e pela direita democrática. Com o contributo do radicalismo esquerdista nunca se conseguiu construir uma cadeira de pau. Quanto mais o Socialismo”, escreveu Sérgio Sousa Pinto, num post no Facebook.

Sérgio Sousa Pinto tem sido um crítico da solução de Governo à esquerda e classificou mesmo a intervenção de Mariana como uma “lição ministrada do alto do legado histórico do trotskismo ou de uma qualquer seita comunista heterodoxa”.

A direção do PS não deixou, contudo, de defender Mariana Mortágua.

“Parece que houve uma iniciativa do PS em Coimbra em que a Mariana Mortagua terá dito que era preciso atacar as poupanças dos portugueses. Lendo o que se escreve por aí, diz que o PS que estava presente aplaudiu em peso e mostrou grande fervor anti-capitalista, o que terá assustado alguns colunistas do Observador. Esta história seria muito preocupante se fosse verdadeira. Acontece que nem a Mariana Mortagua disse o que lhe atribuem, nem o PS aplaudiu em peso as declarações que ela não fez”, esclareceu João Galamba no Facebook, esclarecendo que nunca esteve em causa um ataque às poupanças da classe média.

“Perder o medo" de taxar esse património e esse rendimento pode ser muita coisa, mas não é seguramente ir às "poupanças dos portugueses", nem um "saque fiscal", nem "atacar a classe média", nem tentar "acabar com a livre iniciativa e a propriedade privada"”, escreveu Galamba, que vê no ruído causado pelas palavras da bloquista uma forma de lançar a confusão.

“Eu já percebi que há quem queira transformar um imposto justo e que não abrange a esmagadora maioria dos portugueses num confisco que abrange a maioria dos portugueses. Por muito que inventem e distorçam, não transformarão um contributo justo numa coisa que ele não é”, frisa o porta-voz socialista.

Porfírio Silva também veio em defesa de Mortágua, criticando “o burburinho causado por Mariana Mortágua e a indigência de algum pseudo-debate politico”.

“Ora, esse burburinho só mostra uma coisa: ignorância. Os truques (fazer vídeos com a repetição até à náusea da MM a dizer "salvar o capitalismo", por exemplo) ou os "argumentos" que pretendem mostrar que "ah ah afinal os bloquistas querem salvar o capitalismo, finalmente confessam" , são pura demonstração de ignorância”, escreveu Porfírio no Facebook, lembrando que uma das expressões usadas pela deputada do Bloco decorre de um debate académico antigo.

“Este debate não é novo, nem foi inventado pela Mariana Mortágua. O que ela ontem disse, sobre este ponto, em substância, é que os economistas críticos, que levam Marx ou Keynes mais longe, compreendem melhor o capitalismo do que, por exemplo, os neoliberais – ou os social-democratas, já que ela também estava a criticar a família socialista (e com razão em pontos essenciais, por exemplo quando disse que nos deixámos levar na cantiga da liberalização do capital)”, sublinhou o dirigente socialista.