O pecado de Carlos Alexandre

A frase da polémica do momento na Operação Marquês, dita pelo juiz Carlos Alexandre na entrevista à SIC, é a seguinte: «Sou o saloio de Mação (como se dizia aí numa casa grande), com créditos hipotecários, que tem de trabalhar para os pagar, que não tem dinheiro em nome de amigos, não tem contas bancárias…

Nem esta frase nem outras  da entrevista constituem violação dos deveres de imparcialidade e de independência – e mal andará a Justiça se abrir um processo disciplinar a Carlos Alexandre ou decidir que não tem condições para continuar com a Operação Marquês. É que se não tem para este processo, então também não tem para decidir sobre outros que tem em mãos e em que está em causa o mesmo tipo de crime, branqueamento de capitais, com os arguidos a esconderem dinheiro seja em contas de amigos seja em offshores. É o que se passa nos processos de Ricardo Salgado/GES, José Veiga e Monte Branco, por exemplo. E o que se passou com casos anteriores que também teve em mãos, como os de Duarte Lima e Isaltino Morais (o ‘autarca modelo’ que tinha dinheiro escondido em contas na Suíça em nome do sobrinho taxista, lembram-se?).

Tal como José Sócrates não está inibido no seu direito à liberdade de expressão, e tem usado dele abundantemente e sem restrições, o mesmo acontece com o juiz – em relação ao qual, recorde-se, o ex-primeiro-ministro já disse cobras e lagartos, antes e depois da entrevista em causa. E está no seu direito, registando-se porém, como a sua defesa é demasiado básica: quando esteve preso, deu entrevistas por escrito em que se limitou a fazer ‘tiro’ ao procurador Rosário Teixeira, quando saiu e foi entrevistado pela TVI disparou contra a procuradora-geral da República e, agora, está na fase de tentar descredibilizar Carlos Alexandre. Isto em termos públicos porque, no processo e segundo já foi noticiado, o mesmo ex-PM que mandou comprar milhares de exemplares de um livro que assina mas de autoria incerta teve o desplante de fazer uma queixa ao Tribunal da Relação, acusando o juiz de «falsidade ideológica» (intelectual) em despachos que deu.

Pode, sim, questionar-se se os magistrados que não estão em funções de direção de órgãos judiciais devem fazer declarações à comunicação social. Neste campo, de facto, os magistrados correm um grande risco, como se está a ver neste caso: o de inquinar e sujeitar à descredibilização alheia os processos que têm em mãos.

Contra isto, Carlos Alexandre terá pesado também as suas razões, às quais não se deve fechar os olhos. Anda há mais de 10 anos a levar ‘pancada’ na praça pública por ter sido o único juiz colocado na instrução dos grandes processos (só desde há um ano é que há outro a coadjuvá-lo) e terá querido desmistificar a ideia de que é um ‘super juiz’ com poderes não controláveis e fazer passar a mensagem de que é uma pessoa simples, igual às outras.  A tudo isto soma-se o facto de, como se constata na entrevista, ter a sua autoestima em níveis bastante elevados. A ver vamos se, a prazo, isso lhe trará mais benefícios do que prejuízos.

P. S. – O SOL faz 10 anos. Tenho muito orgulho em ter participado na sua fundação e consolidação na imprensa nacional. Agradeço a todos os que nele trabalharam até hoje e, sobretudo, aos leitores. Cometemos erros, certamente, mas podem ter a certeza de que o nosso interesse foi só um: as notícias. Até sempre!