Gays deixam de ser discriminados na dádiva de sangue

As restrições serão as mesmas para qualquer pessoa independentemente da orientação sexual. ILGA saúda revisão das normas pela DGS

É um ponto final na discriminação dos homossexuais na dádiva de sangue. Uma norma divulgada ontem pela Direção-Geral da Saúde acaba com a proibição em função da orientação sexual e estabelece as mesmas restrições para homo e heterossexuais. Alexandre Diniz, diretor do Departamento da Qualidade na Saúde da DGS, explicou ao i que o objetivo foi pôr a tónica nos comportamentos de risco de natureza sexual, deixando de ser admissível questões que visem apurar a orientação sexual dos dadores, o que acontecia até aqui. “Se um homossexual não tiver relações de risco não há perigo nenhum”, sublinha Diniz, que ajuda a descodificar a norma, onde não há referências à orientação sexual. Não existe pois esse deixa de ser um fator a ser tido em conta, explica.

Quatro motivos de exclusão para todos Os novos “critérios de inclusão e exclusão de dadores por comportamento sexual” estarão 30 dias em discussão pública e deverão ser implementados pelo Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST). A DGS estabelece que apenas estão proibidos de dar sangue de forma definitiva trabalhadores do sexo. Já para a restante população, há quatro motivos de exclusão de caráter temporário. A dádiva passa assim a estar vedada temporariamente a homens ou mulheres parceiros de portadores de infeção com o vírus da sida, hepatite C ou B. Não poderão dar sangue durante um período de 12 meses, sendo que passado um ano poderão então regressar aos serviços de colheita e ser-lhes-á feito um teste para verificar se estão infetados. Em caso negativo, poderão dar sangue. 

Da mesma forma, não poderão dar sangue durante 12 meses pessoas que tenham tido contacto sexual com trabalhadores sexuais ou utilizadores de drogas, grupos que se consideram ter risco infeccioso elevado. Passado um ano, tendo cessado esse comportamento e havendo análises negativas, poderão fazê-lo. Não poderão igualmente dar sangue pessoas que tenham tido contactos sexuais com indivíduos de países onde a epidemia VIH é generalizada. A lista de países é divulgada no site da DGS e incluiu sobretudo países africanos. Já a regra de que pessoas que tenham mudado de parceiro nos últimos seis meses não podem dar sangue mantém-se e passa a ser válida para todos, homo, hetero e bissexuais.   

Ressalve-se que estas regras visam diminuir o risco de transfusões com sangue contaminado, levando as pessoas em maior risco a declararem essa situação, “autosuspendendo-se” de dar sangue. Apesar de todo o sangue ser testado antes de ser usado em transfusões, há um período em que se uma infeção for muito recente podem surgir falsos negativos. No VIH são seis dias, na hepatite B 21 e na hepatite C 15. 

ILGA atenta Nuno Pinto, da direção da ILGA Portugal, associação de defesa dos direitos LGBT, assinala uma “mudança significativa” depois de anos de denúncia para o que consideravam ser uma discriminação anticonstitucional. “Até aqui qualquer homem gay ou bi, independentemente de ter múltiplos parceiros ou um parceiro fixo, não podia dar sangue”, diz o responsável, assinalando que muitas pessoas perante o “absurdo da situação” mentiam. 

Desde 2010 que uma resolução da Assembleia da República sobre esta matéria aguardava concretização, lembrou também a ILGA, que promete um acompanhamento da implementação da norma nos próximos meses, já que as novas regras deverão levar o IPST a criar um novo questionário. Também Alexandre Diniz salienta que os atuais questionários que obrigavam os potencias dadores do sexo masculino a declarar se tinham tido sexo com homens acabam por ser contraproducentes. “Um homossexual assumido poderia responder, mas um jovem, até por poder não ter a sua identidade sexual bem definida, acabaria por mentir.” 

Com regras bem definidas, estimam-se duas dádivas infetadas com VIH por cada milhão. No ano passado foram recusadas 6382 dádivas de sangue por comportamentos considerados de alto risco, embora os dados oficiais do IPST não discriminem a sua natureza (além de contactos sexuais há proibições em vigor relacionadas com viagens para zonas endémicas ou mesmo ter feito sessões de acupuntura ou tatuagens). 

Registaram-se um total de 337 580 dádivas de sangue e 4482 foram inutilizadas (1,4% do total). A perda do prazo de validade foi um motivo mais frequente para inutilizar componentes de sangue do que a análise positiva para doenças infecciosas. Em 267 323 dadores foram detetadas 28 pessoas infetadas com o vírus da sida.