Dados bancários: Marcelo em silêncio mantém intenção de veto

O governo só vai enviar para Belém a lei de acesso aos dados bancários de quem tem mais de 50 mil euros quando o Presidente chegar de Nova Iorque. Por isso, Marcelo não comenta declarações de Costa, mas tenciona travar o diploma

É uma guerra em standby. A lei dos dados bancários ainda não chegou a Belém. E Marcelo Rebelo de Sousa avisou ontem que não irá pronunciar-se sobre um diploma que não conhece. Mas o braço-de-ferro está à vista. António Costa já avisou que não vai recuar, Marcelo já deu a entender que não vai promulgar.

Mas fica tudo em banho-maria pelo menos até ao fim da semana, quando o Presidente voltar de Nova Iorque. É que o governo não vai enviar o diploma para Belém até que Marcelo Rebelo de Sousa esteja de volta.

“É natural que o primeiro- -ministro tente condicionar o Presidente. Faz parte do jogo político”, diz uma fonte próxima de Marcelo, sublinhando que foi o governo quem decidiu não respeitar os “avisos” do Presidente da República sobre a lei que permitirá ao fisco aceder aos dados bancários de qualquer contribuinte com saldos bancários superiores a 50 mil euros.

“O Presidente tinha dito que discordava da lei. O presidente avisou”, frisa a mesma fonte, lembrando que, depois disso, o governo fez aprovar em Conselho de Ministros o decreto-lei.

Em Belém chegou a pensar-se que Costa recuara. “Falou-se nisso, eu, de repente, ao ver tantas notícias, cheguei a ficar apreensivo que a questão se colocasse, porque, se se colocasse, da minha parte não teria acolhimento algum. Mas felizmente não se coloca, isso é uma boa noticia”, comentava Marcelo Rebelo de Sousa em julho, convencido de que as dúvidas que expressara publicamente seriam suficientes para fazer Costa alterar o diploma.

No sábado percebeu-se, contudo, que não seria assim. Depois de o i ter avançado que Marcelo ia travar o decreto-lei, António Costa aproveitou a rentrée socialista para deixar claro que o diploma aprovado – e que o Presidente ainda não conhece por não ter chegado ainda a Belém – não contém qualquer recuo.

“Cumprir a Constituição não pode ser proteger na opacidade as contas bancárias para que o Estado não possa fazer aquilo que é seu dever fazer para assegurar maior justiça fiscal, que é combater a fraude e a evasão fiscal.

E sim, o Estado tem direito, tem de ter direito a aceder à informação para poder assegurar uma justa tributação sobre todos nós”, avisou Costa em Coimbra.

O pré-aviso de guerra com Belém fez Marcelo mudar de atitude e optar pelo silêncio. “Não me pronuncio. Sem conhecer diplomas, não me vou pronunciar acerca do seu conteúdo. Espero conhecer os diplomas e depois pronuncio-me”, afirmava ontem Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações à Lusa, no avião a caminho de Nova Iorque, onde está para participar na Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Apesar da cautela usada pelo Presidente que, em geral, não foge a responder de forma direta às perguntas dos jornalistas, o i sabe que em Belém só continua a haver duas respostas possíveis ao diploma aprovado em Conselho de Ministros: ou o veto político ou o envio para o Tribunal Constitucional, para apreciação.

Em caso de veto, o diploma cai. É que, ao contrário do que acontece nos vetos políticos às leis da Assembleia da República, os diplomas do governo vetados pela Presidência não podem ser reconfirmados.

De resto, António Costa conta com o apoio do BE a esta medida, mas não com o do PCP. Jerónimo de Sousa já veio criticar uma lei que, em seu entender, abre a porta à devassa da privacidade de cidadãos sobre os quais não recai qualquer suspeita.

Como surge a lei Esta proposta do governo surge como a transposição de uma diretiva da União Europeia que visa obrigar os Estados-membros a fornecer informação a outros países sobre estrangeiros residentes nos seus territórios que estejam a ser alvo de investigações por evasão fiscal e branqueamento de capitais. O raciocínio do governo é, contudo, o de que não faz sentido disponibilizar dados bancários sobre estrangeiros a outros países e não deixar as Finanças acederem a essa informação sobre os contribuintes portugueses. Inicialmente, o governo ponderou que o acesso às contas bancárias fosse total mas, depois das dúvidas levantadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, resolveu introduzir um limiar mínimo de 50 mil euros nas contas para que o fisco pudesse ter acesso aos dados – uma alteração que não mudou em nada a posição do Presidente da República sobre a matéria.