‘Os testes médicos nos comandos são exigentes, mas os erros acontecem’

O 127.º curso de Comandos do Exército recomeçou na quinta-feira, após a morte de dois recrutas. Houve, entretanto, 17 desistências.O presidente da Associação dos Oficiais das Forças Armadas,  António Mota, garante que a diminuição de voluntários não levou a um facilitismo nos testes médicos e explica por que deve Portugal continuar a ter comandos.

‘Os testes médicos nos comandos são exigentes, mas os erros acontecem’

De uma forma geral, as pessoas sabem o que são os comandos?

A maioria não sabe. Sabem que é uma tropa especial e pouco mais. Era uma coisa que na altura da guerra colonial todas as famílias conheciam bem, até porque eram poucas as que não tinham algum familiar envolvido, mas isso acabou por desaparecer com o fim do serviço militar obrigatório.

Pode relembrar-nos quais eram as suas funções?

Foi a primeira força a ser enviada para o teatro de operações. Nestes últimos anos estiveram em Timor, Afeganistão, Iraque e vão agora ser enviados para a República Centro Africana. São tropas preparadas para tiro, combate corpo a corpo, em ambientes tão hostis como desertos, e preparadas para serem enviadas por meios terrestres, marítimos e aéreos.

Acha que é essa falta de informação que leva a que se peça a sua extinção?

Não acredito nisso. Acredito, sim, num aproveitamento político da situação. As declarações da líder do BE, Catarina Martins, foram mais do que inoportunas, ao pedir a extinção dos comandos duas horas depois de sabermos da primeira morte. Pedir o fim dos comandos é um disparate. Precisamos de ter tropas com estas capacidades especiais para desbravar terreno e, aí, avançarem aquelas com quem estamos mais familiarizados, como a infantaria, a cavalaria ou a artilharia.

Fazem tanto sentido hoje como na altura em que foram criados?

Foram criados porque a guerra colonial apresentou cenários para os quais não tínhamos tropas para atuar. Alguém dizia no outro dia que, durante os dez anos em que os cursos de comandos estiveram extintos, ninguém deu por falta deles e, por isso, não farão falta. O que eu repondo é: ainda bem que nunca dou pela falta de bombeiros e médicos, mas sei que eles estão lá em caso de necessidade.

Essa extinção, em 1993, também foi motivada por mortes durante os treinos. Alguma coisa mudou nos treinos entretanto?

O que levou à extinção foram decisões políticas. Foi aproveitado um acidente para impor a extinção dos comandos, o que já na altura foi um disparate. Não trouxe benefícios ao país, até porque acabaram reativados, e gerou até problemas operacionais. Quem era comando sentiu-se ferido na sua honra e os paraquedistas – força onde foram inseridos – também se sentiram incomodados pela fusão com outra tropa.

Como são os treinos?

Existe uma preparação inicial, a que está a decorrer, de 12 semanas, mas ao longo das carreiras vão sempre variando. Aliás, o dia-a-dia deles é o treino. E, ao contrário do que se diz, os dois militares que morreram não estavam no segundo dia de treino. Era o segundo dia de treino daquela fase de instrução, depois de passarem por uma fase de preparação a que chamam de ‘prova de choque’.

Há muitas desistências nessa fase?

Esse treino serve para mostrar que aquilo é mesmo a sério, ali não há crescendo de exigência. Claro que há muitas desistências, mas a ideia é mesmo essa.

São sempre treinos que levam ao limite.

Têm que ser especialmente exigente, é óbvio. Parece que o problema com este curso esteve relacionado com o calor, mas fala-se também da hipótese de ter havido falta de acompanhamento médico, falta de água ou água a mais, falha nos testes médicos…

É possível que haja falha nesses testes?

Face a uma falta de voluntários, poderia pensar-se num facilitismo para conseguir reunir o número de comandos suficientes, mas garanto que isso não acontece. O que não descarto é que haja indivíduos que tenham passado na malha.

Isso quer dizer o quê exatamente?

Os testes médicos para entrar nos comandos não são feitos de forma amadora, são muito exigentes. Mas os erros existem.

Mesmo com estas notícias, continua a haver muita procura pela vida militar?

Vai havendo, apesar dos cortes no setor. Quem podia sair, saiu e há milhares de militares que só não saem porque não os deixam. As condições socioprofissionais, aliadas às condições operacionais – o Exército não te, dinheiro para equipamentos, não há meios para ter horas de voo e a Marinha não sai em missão –, não são convidativas.

Com esses treinos e essas condições, por que continua a haver jovens com vontade de serem comandos?

Há um apelo especial. É uma profissão de risco, mal remunerada e que exige sacrifícios familiares. Temos que estar 24 horas disponíveis porque para nós o serviço está sempre primeiro. Somos masoquistas? Não. É a vontade de servir o país e um gosto pela disciplina e pela solidariedade. No caso das tropas especiais, acresce o facto de conferirem algum estatuto. Nos homens, quer queiramos quer não, confere um reforço da masculinidade, um levantar do ego.