Reflexão sobre o “balanço olímpico”

No rescaldo dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016, é curioso constatar que nenhum responsável federativo, pelo menos que me tenha apercebido, fez na imprensa um balanço de participação da respetiva modalidade nos jogos olímpicos. 

Muitos especialistas e comentaristas têm falado e analisado os resultados dos jogos, os objetivos atingidos e não atingidos, mas a questão é saber quem na verdade pode fazer uma verdadeira análise da performance dos atletas.
Posso afirmar que nenhum jornalista me contactou para opinar sobre a participação nos jogos Olímpicos dos atletas da minha modalidade, apenas o jornal i disponibilizou um espaço para valorizar a atividade da vela, o que desde já agradeço publicamente.

Li e ouvi variadas vezes que as federações eram as culpadas dos hipotéticos resultados menos bons dos atletas, inclusive que “é preciso, de uma vez por todas, que exista fiscalização séria, rigorosa e descomprometida ao dinheiro que é entregue a cada federação para o alto rendimento”, Rui Tavares Guedes, diretor adjunto da “Visão”, como se estas já não fossem intensamente fiscalizadas, auditadas e escrutinadas, muito em particular a da Vela, como é sobejamente conhecido.

Confesso que tenho mantido o silêncio com algum custo. Sei que se aplica também a outras federações mas, no caso da Federação Portuguesa de Vela, tudo temos feito para que nada falte aos nossos atletas e mais importante, tudo temos feito para minimizar os estragos, neste particular, provocados por entidades externas ao processo de preparação desportiva.

Já o disse e repito, mais do que fiscalizar as federações desportivas, deve ser avaliado todo o sistema desportivo português e com mais propriedade o financiamento público ao desporto.

Se o Estado atribui às federações competências públicas de organização e gestão de cada modalidade, os planos e orçamentos de cada federação deveriam ser respeitados e não prosseguir com a imposição de contratos programa leoninos que não são mais do que subsídios atribuídos em prestações mensais e que nos últimos quatro anos até perderam a regularidade relativamente ao montante das verbas atribuídas, colocando as federações em situações ainda mais difíceis pela imprevisibilidade que dai resulta nos seus projetos desportivos.

Nos últimos anos o dinheiro do jogo vindo da Santa Casa para financiar o desporto aumentou mas os cortes de financiamento às federações não foram de pequena monta, cerca de um terço no caso da Vela. Se acrescentarmos que grande parte dos custos são fixos ou imprescindíveis na preparação desportiva, podemos imaginar o que estes cortes têm provocado e ainda para mais entregues em prestações mensais.

O balanço de um resultado desportivo só é credível em função do processo de preparação dos atletas e o seu enquadramento na própria atividade regular. O processo de financiamento público tem de ser claro e equitativo, e os fundos distribuídos em função das necessidades e do mérito da cada modalidade. O balanço final deve ter em consideração também o comparativo dos apoios financeiros disponibilizados com os outros países contra quem competimos.

Acreditem que o pouco dinheiro disponível é mal distribuído e no tempo errado. Ou seja, somos pobres e esbanjadores.
Portugal tem feito um enorme esforço no sentido da defesa da verdade desportiva, nomeadamente na luta antidopagem. A falta de equidade e transparência na distribuição dos dinheiros públicos ao desporto não terá igualmente uma influência negativa na verdade desportiva? Ao negar as mesmas oportunidades de preparação aos atletas de cada modalidade não estaremos a subverter todo o sistema?

Sem falarmos desta realidade não se podem fazer ” balanços olímpicos” ou outros balanços desportivos com um mínimo de seriedade.

* Presidente da Federação Portuguesa de Vela