DocLisboa. O Cinema como ponto de encontro

Serão poucas as tarefas mais ingratas que selecionar dez sugestões de uma programação que inclui 259 filmes – entre os quais 46 portugueses, 13 em competição. Mas foi a tal que nos propusemos, a propósito da 14.ª edição do DocLisboa, que decorre de 20 a 30 de outubro, e cuja programação foi apresentada ontem

Oleg y Las Raras Artes

20 de outubro, 21h30, Grande Auditório da Culturgest – Estreia em Portugal

É uma história de amor que marca o arranque deste DocLisboa. Não um amor físico, mas um amor movido a admiração. Admiração pela música, que conheceu inicialmente através da banda sonora de um filme de Kira Muratova, e que levou o jovem realizador venezuelano a aproximar-se do lendário pianista russo Oleg Nikolaevitch Karavaychuk, tornando-se no primeiro estrangeiro a conquistar a confiança do russo de 89 anos. Uma proximidade que lhe permitiu filmar o retrato do único pianista que ainda toca no piano do Czar Nicolau II. Dez dias depois, na sessão de encerramento, será exibido o filme de João Monteiro, “Nos Interstícios da Realidade ou o Cinema de António de Macedo”.


Correspondências

27 de outubro, 18h30, Sala Manoel de Oliveira, São Jorge; e 28 de outubro, 15h00, Sala Polivalente, Gulbenkian – Estreia em Portugal

As cartas trocadas entre Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena serviram de ponto de partida para este “Correspondências”, de Rita Azevedo Gomes, que esteve em competição em Locarno, no início de agosto, e agora, no DocLisboa, integra a Competição Internacional. Uma obra que testemunha os vinte anos de exílio do escritor – passados no Brasil e nos EUA – e a forma como as cartas trocadas com Sophia de Mello Breyner Andresen ajudaram a manter fortes os laços entre ambos, a preencher a distância com o diálogo e, sobretudo, a vencer o cinzentismo de um regime onde a palavra liberdade não constava.


Retrospectiva Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba

Vários dias e salas

Uma viagem a Cuba e à sua produção documental, que nasce nos anos 1960, como oposição ao cinema de Hollywood. No total serão 12 sessões, comissariadas pelo cineasta e investigador Michael Chanan, em coprodução com o Museu Reina Sofia de Madrid e a Cinemateca de Cuba, que pretendem mostrar um olhar predominantemente politizado, mas não só. Nesta explosão de géneros, há espaço até para a ficção. Desde que, claro, tenha ADN cubano. É o caso do trabalho de jovens documentaristas cubanos como Santiago Álvarez e Julio García Espinosa, mas também cineastas estrangeiros que mantiveram relações com Cuba, nos anos 1960, como Agnès Varda, Chris Marker e Joris Ivens.


David Lynch: The Art Life

22 de outubro, 14h00, Pequeno Auditório da Culturgest – Estreia em Portugal

Podia chamar-se “Como Entender David Lynch, parte 1”. A obra dirigida por Jon Nguyen, Olivia Neergaard-Holm, Rick Barnes, e que acabou de fazer a sua estreia mundial no Festival de Veneza, transporta o espectador numa viagem aos caminhos insondáveis de David Lynch. Tudo, claro, numa tentativa de melhor compreender o realizador, escritor, artista plástico, provavelmente uma das mais intrincadas mentes contemporâneas.
Aqui procura-se entender a forma como uma educação aparentemente idílica numa América remota serviu de tela em branco para um criador para quem tudo começou, na realidade, nas artes plásticas.


Mapplethorpe: Look at the Pictures

22 de outubro, 21h30, Grande Auditório da Culturgest – Estreia em Portugal

Fenton Bailey e Randy Barbato não podiam ter prestado mais genuína homenagem ao fotógrafo que marcou a estética contemporânea da fotografia neste documentário produzido originalmente para a HBO. Ao longo de quase duas horas, a dupla assume um compromisso: abordar este documentário com a mesma lógica disruptiva com que Mapplethorpe abordava a fotografia. Assim, em “Look at the Pictures”, o mesmo tipo de imagens choque, explícitas, violentas mesmo, ganham protagonismo. E o espectador é como que obrigado a não desviar o olhar. Até porque este não foi apenas o olhar de Robert Mapplethorpe sobre a fotografia. Foi o seu olhar sobre a vida.


Between Fences

26 de outubro, 21h30; e 28 de outubro, 10h30, Grande Auditório da Culturgest – Estreia em Portugal

Da nova secção Da Terra à Lua, que procura ser um olhar sobre o mundo atual, constam filmes como “Austerlitz”, de Sergei Loznitsa; “Lo and Behold, Reveries of the Connected World”, de Werner Herzog; a curta-metragem “Paris 15/16”, de Teresa Villaverde; e a longa “Pedra e Cal”, de Catarina Alves Costa. E consta também este “Between Fences”, de Avi Mograbi, realizador israelita que estará em Lisboa para apresentar a obra. Um filme que parte de encontros com africanos, requerentes de asilo num centro de detenção no deserto do Negev, em Israel, para questionar o estatuto dos refugiados em Israel.


Retrospectiva Peter Watkins

Vários dias e salas

Considerado o pioneiro do estilo docudrama e falso documentário, o realizador inglês de 80 anos – que estará presente em Lisboa a propósito desta mostra – traz na mala um vasto currículo do qual se destaca o Óscar para Melhor Documentário, em 1966, com “The War Game”. Ao DocLisboa traz 15 dos seus filmes, produzidos entre meados dos anos 1950 e 1990. Obras politizadas, que ilustram um olhar altamente crítico à comunicação social enquanto instrumento de poder, sobretudo em temáticas como a questão nuclear. Uma discussão premente, para a qual a distância dos anos parece continuar sem encontrar resposta.


Rat Film

21 de outubro, 21h45, Sala 3, São Jorge; 25 de outubro, 14h00, Pequeno Auditório da Culturgest – Estreia em Portugal

Quantos realizadores escolhem como protagonistas para a sua primeira obra ratazanas? A resposta é simples: um, Theo Anthony. A concorrer para a Competição Internacional – e depois de ter passado por Locarno –, neste “Rat Film” o jornalista, fotógrafo e agora também realizador usa estes animais para dar a conhecer a história da cidade de Baltimore, onde vive. São estes (repugnantes) seres que nos conduzem nesta viagem sobre inclusão e separação. “Before the world became the world, it was an egg. Inside the egg was dark. The rat nibbled the egg and let the light in. And the world began”, ouve-se, logo no início do documentário.


Sons do Gueto

21 de outubro, 21h30, Sala Manoel de Oliveira, São Jorge – Estreia internacional

Temos para nós que a sessão de abertura da secção Heart Beat vai levar muita gente a levantar-se da cadeira. E não, não estamos já a vaticinar o insucesso da obra realizada por Tim & Barry. A dupla de realizadores e fotógrafos faz das metrópoles o foco do seu trabalho, dedicando-se sobretudo à investigação dos subgéneros e das comunidades musicais que brotam nas cinturas das grandes cidades. Foi esta viagem que os levou ao encontro da editora Príncipe, incubadora da música de dança underground criada pelas comunidades da África lusófona que ocupam os arredores de Lisboa.


Dans les Pas de Trisha Brown

26 de outubro, 19h00, Grande Auditório da Culturgest – Estreia internacional

Há um quê de Frederick Wiseman nesta obra de Marie-Hélène Rebois sobre Trisha Brown, e a verdade é que a produtora deste documentário, agora em estreia internacional, já trabalhou com o realizador que assinou “La Danse”, em 2009. Aqui seguem-se os passos da montagem da peça “Glacial Decoy”, criada inicialmente em 1979, quando esta se prepara para integrar o repertório atual do Ballet da Ópera de Paris. Ao longo de 80 minutos acompanha-se todo o processo de ensino e de ensaio de uma das obras pilar do percurso da bailarina e coreógrafa norte-americana, considerada uma das grandes responsáveis pela mudança de paradigma da dança contemporânea.