Obama vetou lei mas foi ultrapassado pelo Congresso em votação inédita

Presidente queria impedir particulares de processarem Estados patrocinadores de terrorismo, mas foi desautorizado.

Obama vetou lei mas foi ultrapassado pelo Congresso em votação inédita

Pela primeira vez desde que assumiu o cargo, em 2008, o presidente dos EUA viu o parlamento norte-americano ultrapassar um veto seu. Barack Obama tinha rejeitado a aprovação de uma lei que permitiria que os tribunais federais aceitassem queixas de particulares contra Estados que tivessem patrocinado ataques terroristas no país, mas o Congresso votou contra a intenção presidencial na quarta-feira, em defesa dos familiares das vítimas dos ataques de setembro de 2001.

A lei chama-se “Justiça contra os Patrocinadores do Terrorismo”, ou “JASTA”, e tinha sido aprovada pelo Congresso dos EUA em maio de 2016, depois de sete anos de discussão. Mas Obama, com o apoio de vários juristas, da CIA e do Pentágono, ciente das eventuais repercussões diplomáticas que o diploma podia trazer, decidiu-se pelo veto presidencial, um direito inerente ao cargo que ocupa, que lhe permite bloquear iniciativas legislativas do Congresso e que só pode ser anulado por uma votação, no parlamento, nesse sentido – algo que veio a acontecer, de forma inédita, na quarta-feira.

“Ultrapassar um veto presidencial é algo que não encaramos de forma ligeira, mas é importante, neste caso, que as famílias das vítimas do 9/11 possam obter justiça, mesmo que essa busca cause alguns desconfortos diplomáticos”, explicou um dos autores da lei, o senador democrata Charles Schumer, citado pelo “Washington Post”.

Tal como sugere o senador, a lei permitirá aos parentes das cerca de 3 mil pessoas que perderam a vida no dia 11 de setembro de 2001 processarem os países envolvidos nos ataques e, mais especificamente, a Arábia Saudita, várias vezes considerada suspeita, nos EUA, pelo alegado patrocínio às atividades da Al-Qaeda, a organização terrorista responsável pelos ataques em Nova Iorque e Washington.

“Se os sauditas foram culpados, devem ser responsabilizados. Se não tiveram nada a ver com o 9/11, não têm nada a temer”, defendeu Schumer.

O facto de 15 dos 19 terroristas que sequestraram os aviões para os lançarem contra alvos determinados em território norte-americano serem de nacionalidade saudita levou ao surgimento de rumores sobre a possibilidade de alguém, no governo da Arábia Saudita, ter estado implicado nos ataques, algo que nunca foi provado oficialmente.

O presidente Obama considerou que a decisão do Congresso – aprovada na Câmara dos Representantes, com 348 votos a favor e 77 contra, e no Senado, com 97 votos favoráveis contra um único voto de rejeição – foi um “grande erro” e disse estar preocupado com possíveis retaliações de outros governos contra os cidadãos norte-americanos que vivem no estrangeiro, nomeadamente os militares que se encontram em missão.

“Eu percebo porque aconteceu [a votação no Congresso]. É óbvio que alguns de nós ainda carregam consigo as cicatrizes e o trauma do 11 de setembro”, disse Barack Obama à CNN. “[Mas] o problema (…) é que, se nós eliminarmos esta noção de imunidade soberana, então os nossos homens e mulheres de uniforme, por todo o mundo, podem potencialmente começar (…) a ser alvo de leis recíprocas”, lamentou o presidente antes de partilhar uma opinião, mais sincera, sobre a votação: “Basicamente, foi um voto político.”

A verdade é que o resultado e as consequências da votação no Congresso puseram a nu o pouco apoio que o presidente dos EUA tinha nesta matéria. Josh Earnest, assessor de imprensa de Obama, admitiu, citado pelo “Washington Post”, que a ultrapassagem ao veto presidencial foi “embaraçosa” para a Casa Branca, mas mostrou-se bastante crítico para com aqueles que votaram a favor da mesma, especialmente os membros do Partido Democrata.

“Em última instância, esses senadores vão ter de responder à sua própria consciência e aos seus eleitores, já que são responsáveis pela decisão que tomaram hoje”, disse Earnest.

GOLFO VAI À LUTA Quem o diz é Abdulkhaleq Abdullah, professor universitário nos Emirados Árabes Unidos. O académico acredita que os sauditas ainda vão tentar pressionar o Congresso a mudar de ideias, particularmente através de uma ameaça conjunta de desinvestimento económico levada a cabo pelos seis países do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), todos importantes parceiros comerciais de Washington. Ao “New York Times”, Abdullah avisou que “quando um Estado do GCC é atacado injustamente, os outros colocam-se à sua volta”.