Mário Wilson. O velho Capitão já mora na planície da eterna saudade

É, assumidamente, uma figura do universo benfiquista. Apesar de, enquanto jogador, nunca ter vestido a camisola encarnada. E de ter sido campeão pelo rival Sporting. A Académica foi o seu clube do coração

Chamavam-lhe o “Velho Capitão” como se fizesse parte de um livro de Robert Louis Stevenson. Mas o seu caráter era afável e meigo como o de poucos que com ele fizeram a história do futebol em Portugal. Nascido em Lourenço Marques no dia 17 de Outubro de 1929, estava à beira de fazer 87 anos e foi figura grande da sua Académica e do seu Benfica. Curiosamente veio para Lisboa aos 19 anos com o objetivo de substituir o enorme Fernando Peyroteo, goleador emérito dos “Cinco Violinos”, a famosa linha avançada do Sporting. Esteve duas épocas em Alvalade. Numa delas foi campeão. Mas Peyroteo não era fácil de fazer esquecer. Seguiu para Coimbra e afirmou-se como defesa central. Em 1963 pendurava as botas depois de 16 temporadas consecutivas a jogar na I Divisão.

Mário Wilson acabaria por ganhar mais estatuto como treinador do que como jogador. Na época de 1966/67, ao comando dos estudantes, cometeu a proeza de atingir o segundo lugar do campeonato, logo a seguir ao tremendo Benfica de então. Um feito! Nunca mais a Académica conseguiria atingir um pico idêntico, sobretudo porque, nessa altura, a equipa era formada por jogadores/estudantes que estavam longe, muito longe, da completa profissionalização dos dias de hoje. Nesse mesmo ano, a “Briosa” atingiu a final da Taça de Portugal, sendo derrotada pelo Vitória de Setúbal, após prolongamento.

Mário Wilson tinha a argúcia de um técnico e a afabilidade de um cavalheiro e, talvez por isso, ganhou a alcunha de “O Buda”, tal era a sua tranquilidade e o tamanho crescente da sua barriga. Chegou ao Benfica em 1975/76 e ficou imediatamente para o anedotário nacional ao sublinhar: «Qualquer treinador que venha para o Benfica arrisca-se a ser campeão!» Foi-o – uma única vez em toda a sua carreira. Foi selecionador nacional em 1980, durante o apuramento para a fase final do Campeonato da Europa, em Itália, e as suas guerras com José Maria Pedroto, treinador do FC Porto, fizeram as delícias da imprensa, muito menos sensacionalista do que que a de agora. Pedroto perdeu a cabeça com uma  convocatória para um jogo particular contra a Espanha e recusou-se a libertar os jogadores azuis e brancos, descambando para um discurso que teve laivos de racista. Mário Wilson, como sempre, manteve-se impávido e recusou-se a altercar com o seu colega: não era apenas Buda de alcunha – era-o de filosofia de vida.

Passou por outros clubes, como o Boavista, o Vitória de Guimarães, o Estoril ou o Alverca, mas o Benfica foi sempre a sua enorme paixão. De tal ordem que se constituiu como um “bombeiro” sempre disposto a apagar os fogos que advinham do despedimento de treinadores encarnados no começo ou a meio das épocas. Foi num desses intervalos que conquistou o último título da sua carreira, frente ao Sporting, na final da Taça de Portugal (3-1) após a saída de Artur Jorge. Tornou-se inevitavelmente um senador do clube, respeitado por todos os que com ele tiveram o privilégio de conviver de perto. Dia 3 de Outubro foi o último da sua vida. O “Velho Capitão” saiu da vida como o campeão que sempre foi. Tranquilo e firme, educado e acolhedor, tem lugar reservado junto com os sábios que vivem na planície da eterna saudade.