4 de outubro. A noite em que o mundo (como o conhecíamos) acabou

Faz hoje um ano que o mundo político, tal como o conhecíamos, levou uma volta de 180 graus. Ninguém estava à espera, ninguém acreditava, ninguém queria acreditar que fosse possível o partido que ficou em segundo lugar formar governo. Nunca tinha acontecido, não podia acontecer. Mas nessa noite, tanto Paulo Portas como Passos Coelho perceberam…

8h30

Santos-o-Velho

Paulo Portas foi o primeiro a votar, na Rua da Esperança, freguesia de Santos-o-Velho, em Lisboa. “Tenho o hábito de votar cedo porque acho que devo dar o exemplo”, disse Portas aos jornalistas que o esperavam para o ritual de assistirem ao voto do líder do partido. De blusão azul- -escuro – todos os líderes partidários, à exceção de Jerónimo de Sousa, votam a 4 de outubro com um blusão azul-escuro vestido –, Portas aproveita para fazer o seu momento de campanha indireta (e proibida por lei) a favor da coligação PàF, lembrando que “há quatro anos, Portugal estava sob assistência externa e numa situação muito difícil” e que o que “os portugueses conseguiram foi muito importante”.

Está rouco. A manhã ainda é escura e faz frio. Portas ainda está confiante de que vai continuar a sua carreira política, porque tudo indica que PSD e CDS vão ganhar as eleições. Portas abandonou o CDS e a política.

9h15

Massamá Norte

Está mau tempo, efetivamente. Na Escola Secundária Stuart Carvalhais, Massamá Norte, concelho de Sintra, Passos Coelho espera que a meteorologia não afaste as pessoas das mesas de voto. “Apesar de sabermos que há algum mau tempo, principalmente em algumas zonas para o Norte, esperemos que essa contrariedade não impeça as pessoas de exercerem o seu direito e o seu dever de votarem nestas eleições.” Está calmo, as sondagens todas apontam já há algum tempo para a vitória do então primeiro-ministro. De blusão azul como Portas, António Costa e Catarina Martins, o primeiro-ministro respira confiança pela manhã em Massamá Norte.

11 horas

S. J. das Lampas

Porque está António Costa tão bem-disposto, ao lado da mulher e da assessora de imprensa, depois de votar? Porque ainda acredita, como diz, estar “muito confiante num bom resultado do PS” ou porque na realidade já está mesmo, como afirma logo de seguida, “sobretudo confiante no futuro do nosso país e na ambição que os portugueses têm, depois destes dias tão tristonhos”, de terem “um novo ciclo de esperança” e encararem “o futuro com outra confiança e outra determinação”?

António Costa pede aos portugueses para não desperdiçarem “o poder único que a democracia dá de escolher por quem querem ser governados, com quem querem ser governados e o futuro que querem para o país”. Tudo isto independentemente de qual “seja o seu sentido de voto”. António Costa sai da mesa de voto da freguesia de São João das Lampas, concelho de Sintra – onde vive há muitos anos – com um ar descontraído.

11 horas

Pirescoxe

O único líder partidário que não vestiu um blusão azul–escuro na manhã de 4 de outubro chama-se Jerónimo de Sousa e apareceu na mesa de voto da freguesia onde nasceu e mora até hoje, Pirescoxe (Póvoa de Santa Iria, concelho de Loures), destoando dos restantes líderes partidários por preferir um blazer cinzento.

Jerónimo de Sousa afirmou-se “tranquilo e confiante”: “A campanha eleitoral revigorou a confiança”, disse Jerónimo, fazendo notar, evidentemente, que estava agora a começar “o dia decisivo”. O secretário-geral do PCP elogiou o seu “estilo de campanha de proximidade”, praticamente de “porta-a-porta”, “muito ligada às pessoas”, que teve uma grande “mobilização”. Não havia mais a dizer. Jerónimo de Sousa saiu da mesa de voto da freguesia de Pirescoxe abraçado à neta loira.

11h15

V. N. de Gaia

A coordenadora do Bloco de Esquerda tem de esperar 15 minutos para votar na mesa de Vila Nova de Gaia onde está inscrita. Veste uma blusa vermelha e o inevitável blusão azul-escuro que a maioria dos líderes escolheram para o dia 4 de outubro. Fica contente por ser obrigada a estar na fila, aquilo que pode ser um sinal de abstenção mínima (horas mais tarde, perceber-se-á que não foi).

“Fico naturalmente contente por ver uma mesa de voto com tanta gente. Espero que esteja a ser assim tão concorrido em todo o país”, diz Catarina Martins.

A líder do Bloco de Esquerda faz a sua profissão de fé numa redução dos abstencionistas e um apelo ao voto: “A democracia é que reforça a nossa possibilidade de futuro. A abstenção não é a melhor forma de construir soluções. Pelo contrário, para que existam soluções é preciso que as pessoas votem.”
O BE não teve razões de queixa.

21h27

Centro Vitória

Francisco Lopes é um dirigente de grande influência dentro do PCP. Foi a ele que coube avançar com a declaração de que poderia existir uma alternativa. Referindo-se aos resultados para a coligação de direita como “hecatombe eleitoral”, Lopes assinala que a coligação “perde a maioria absoluta e a possibilidade de formar governo, a menos que haja da parte do Presidente da República uma entorse dos resultados eleitorais”. Uma hora depois, Jerónimo de Sousa admite que o “o PS tem condições para formar governo”: “Seria intolerável que o Presidente quisesse [empossar um governo PSD-CDS] contra a vontade do povo português.”

O secretário-geral do PCP declara solenemente que “o PCP e o PEV rejeitarão no parlamento as pretensões” dos partidos da direita. “A menos que o PS as viabilize”, não existirá governo liderado por Passos Coelho, jura na noite de 4 de outubro Jerónimo de Sousa.

22h10

Cinema S. Jorge

Depois das 10 da noite, Catarina Martins já estava pronta para dizer que o Bloco iria ter “o melhor resultado de sempre”. E deu o sinal de que o futuro poderia ser a geringonça: “Os eleitores não escolheram austeridade e sacrifício, disseram que já basta de austeridade e sacrifício. A maioria quer mudança e tem direito a mudança. Esperamos agora pela resposta dos outros partidos, porque a responsabilidade é imensa.”

A coordenadora do Bloco de Esquerda afirma que, naquele momento, “só tem palavras diretas”: “Sei que serão escutadas por quem exige uma alternativa sem perda de tempo.”

“Portugal precisa de um plano de urgência que junte forças. Precisa de cuidar das feridas da pobreza, precisa de investimento para emprego, de aumentar o salário mínimo, de afastar ameaças às pensões”, disse Catarina, elencando já os mínimos para o acordo com o PS, mas ninguém deu muita importância.

22h45

Hotel Altis

O sorriso mais extraordinário da noite foi o de António Costa, líder do PS, que não conseguiu ultrapassar a coligação que tinha quatro anos de austeridade às costas. “A perda de maioria da coligação constitui um novo quadro político”, afirma Costa. O sorriso é demasiadamente largo para um derrotado.

A tranquilidade britânica de Costa é misteriosa. Não assume a derrota de uma forma clara (“aqui há gato”, dirá Miguel Relvas, comentador numa das televisões) e assegura que “manifestamente” não se “irá demitir”. Costa diz que vai “garantir que a vontade dos portugueses não se perca na ingovernabilidade”. Admite “assegurar uma alternativa credível de governo”, mas a forma como o faz é tão indireta que nem toda a gente percebe. Ana Gomes afirma-se “em estado de choque”, o segurista Álvaro Beleza pede um congresso e anuncia que se candidatará à sucessão de Costa.

23h15

Hotel Sana

Paulo Portas é o primeiro dos líderes da coligação a falar. Diz que “a derrota do PS é inabalável” e mostra ter ouvido bem o discurso de António Costa e perceber o que aí vem: “Não é possível que o PS transforme a derrota nas urnas numa espécie de vitória na secretaria”, diz Portas naquela que foi a primeira declaração da direita contra um governo de esquerda.

“Este resultado desmente os que nos deram por acabados”, diz Portas, reivindicando a vitória da PàF. “Foi a primeira vez que uma coligação cumpre uma legislatura. Foi a primeira vez que o chamado espaço AD consegue renovar um mandato”, afirmou o vice-primeiro-ministro, satisfeito com os resultados eleitorais. “A coligação Portugal à Frente venceu as eleições com clareza e com uma significativa distância em relação ao segundo classificado.” PSD e CDS tiveram nessa noite quase 37%, o PS ficou-se pelos 32,3% depois de quatro anos de austeridade.

23h30

Hotel Sana

Pedro Passos Coelho, tal como Paulo Portas, percebeu o alcance político do discurso de António Costa. “Seria estranho que quem ganhasse não pudesse governar”, diz o presidente do PS e até então primeiro-ministro, afirmando que PSD e CDS irão “dizer ao Presidente da República que estão disponíveis para governar”.

“É inequívoco que estas eleições mostraram uma força política vencedora: a coligação que tive o prazer de liderar com o dr. Paulo Portas”, afirmou o primeiro-ministro que depois não conseguiu renovar o mandato.

Apesar de tanto Portas como Passos Coelho não terem ficado descansados depois de ouvir Costa, é em clima de vitória que festejam no Hotel Sana, onde a coligação aguardou os resultados eleitorais. Passos agradeceu a Portas, que “possibilitou que tantas diferenças ficassem de lado para que o país ficasse primeiro”. Outras diferenças, para mal do PSD, haveriam de “ficar de lado”.