Colômbia. Nobel da paz para curar ressaca do referendo

Rejeição do acordo com as FARC retirou legitimidade ao Presidente da Colômbia para fazer já a paz, mas prémio pode dar-lhe uma outra vida.

Juan Manuel Santos apostou as fichas todas que tinha na paz. Depois de quatro anos de negociações intensas entre o Governo colombiano e os representantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), foi alcançado, no final de agosto, um compromisso que pretendia colocar um ponto final na guerra civil no país, o mais longo conflito no hemisfério ocidental e um dos últimos episódios dos tempos da Guerra Fria.

O acordo foi celebrado na semana passada, com pompa e circunstância, em Cartagena das Índias – a joia da coroa do turismo colombiano – e juntou vários líderes mundiais, todos eles trajados de branco, em sintonia pela paz. No palanque, o Presidente da Colômbia e o líder das FARC, Rodrigo ‘Timoshenko’ Londoño, apertaram as mãos e acordaram pôr fim a 52 anos de sangue. Só ficava a faltar o ‘sim’ dos colombianos, no referendo marcado para o dia 2 de outubro, para se oficializar o final de uma guerra que fez mais de 260 mil mortos e perto de 6 milhões de deslocados.

Só que, no passado domingo, a esperança deu lugar à desilusão. O povo colombiano rejeitou o acordo, por uma curta margem, e deixou o Presidente Santos de mãos atadas: 50,2% disseram não à paz, contra 49,8% que votaram sim. Dias antes da votação, quando lhe perguntaram se havia algum plano B, no caso o ‘não’ vencer, o chefe de Estado foi sincero: «Voltaremos atrás seis anos e continuaremos a guerra com as FARC». 

O referendo não atingiu os 50% dos eleitores e, nesse sentido, não é vinculativo – apenas participaram 37% – mas retirou legitimidade política a Juan Manuel Santos para alcançar a paz e colocou a Colômbia num beco sem saída. Até esta sexta-feira.

Contrariando as expectativas, o comité norueguês para o Nobel decidiu distinguir o Presidente colombiano com o Prémio Nobel da Paz de 2016, pelos «esforços decisivos» em acabar com a guerra com as FARC. Santos até era um dos favoritos, mas a rejeição popular do compromisso com a guerrilha parecia ter enfraquecido a sua candidatura. «O [resultado do] referendo não foi um voto contra a paz», justificou a porta-voz do comité, Kaci Kullmann Five, depois de anunciar o vencedor. «Os que votaram não rejeitaram o desejo da paz, mas um acordo específico para a paz», acrescentou.

O acordo previa, entre outras coisas, que as FARC se transformassem em partido político e que os seus 5765 combatentes se concentrassem em 20 zonas para poderem ser desarmados. Este processo, com uma duração prevista de seis meses, seria supervisionado pela ONU e previa um plano de reinserção, na vida civil, desses combatentes.

A verdade é que galardão – que será entregue no dia 10 de dezembro, em Oslo, na Noruega – pode oferecer uma segunda oportunidade a Santos, ajudar a dissipar o clima de pessimismo que se abateu no país na última semana e, principalmente, restaurar a legitimidade do chefe de Estado para voltar à mesa das negociações. Pelo menos é isso que espera o próprio. «A mensagem [que a atribuição deste prémio vai enviar] é que temos de insistir, até alcançarmos o fim desta guerra. Estamos muito, muito perto […] e isto vai ser um grande estímulo para chegarmos ao fim e começarmos a construção da paz na Colômbia», afiançou Juan Manuel Santos, numa entrevista publicada no site oficial do Prémio Nobel.

FARC ficaram de fora

Depois de anunciar o nome do vencedor, a porta-voz do comité foi convidada a justificar o porquê da não atribuição do prémio a quem estava do outro lado da mesa das negociações, nomeadamente, o líder das FARC. Kullmann Five evitou responder diretamente às várias perguntas sobre este tema, referindo apenas que Santos tinha sido o «guardião de todo o processo» de paz. Perante a insistência dos jornalistas, optou por não alimentar as dúvidas: «Nós nunca comentamos sobre aqueles que não receberam o prémio».

Na realidade, Timoshenko não parece ter ficado desiludido com a escolha. Pouco depois de conhecida a distinção ao Presidente, publicou no Twitter: «O único prémio que aspiramos é a paz, com justiça social para a Colômbia, sem paramilitarismo, sem retaliações [e] sem mentiras».