EUA. Segundo debate presidencial foi feio e não teve vencedor

Ataques pessoais sobrepuseram-se à política no confronto entre Donald Trump e Hillary Clinton

Trump estava obrigado a vencer o debate da madrugada desta segunda-feira em Portugal – domingo à noite nos EUA – depois da imagem pálida que havia dado no primeiro confronto e, acima de tudo, para salvar a avalanche destrutiva que se abateu sobre a sua campanha, provocada por 72 horas desastrosas. Não venceu a contenda, mas também não a perdeu. Entrou com tudo e recorreu a ataques pessoais contra a candidata dos Democratas, recuperando o seu lado mais agressivo, deixado de parte no primeiro debate. E Hillary Clinton respondeu da mesma moeda.

Na sexta-feira foi divulgado um vídeo, onde se podia ouvir o candidato presidencial republicano gabar-se da sua habilidade para fazer o que quisesse com as mulheres, utilizando linguagem obscena. As palavras do magnata, gravadas em 2005, por ocasião de um programa televisivo, chocaram a opinião pública norte-americana e originaram uma avalanche de comunicados, de personalidades ligadas ao Partido Republicano, como John McCain ou Condoleezza Rice, anunciando a retirada do seu apoio à candidatura de Trump. Estava dado o mote para 90 minutos de pouca política e acusações abundantes, de parte a parte. 

Concretamente sobre o conteúdo do vídeo, Donald Trump defendeu que se tratava de “conversa de balneário” e tentou desviar as atenções, de forma algo insólita, para o combate ao autoproclamado Estado Islâmico. Falhada a deriva de assunto, focou-se em Bill Clinton, marido de Hillary e antigo presidente dos EUA, que assistia serenamente ao debate, em Saint Louis, estado do Missouri.

“Se olharem para o Bill Clinton, fez muito pior [do que eu]. Comigo foram palavras, com ele foi ação”, acusou Trump. “Nunca houve alguém, na história política deste país, que tenha sido tão abusivo para as mulheres [como Clinton]”, acrescentou, já depois de ter sido filmado, pouco antes do debate, na companhia de quatro mulheres que dizem ter sido “desrespeitadas pelos Clinton” e que marcaram presença na plateia, na Universidade Washington.

Por fim, o candidato republicano acabou por admitir que estava “arrependido das suas palavras” naquele vídeo e, perante a insistência do moderador da CNN Anderson Cooper – acompanhado, no seu papel, por Martha Raddatz da ABC News –, admitiu que nunca tinha feito nada daquilo que dissera na gravação e que o mesmo não representava a sua pessoa.

A candidata democrata, no entanto, defendeu que o vídeo retrata o que Trump pensa e o que faz com as mulheres: “É claro para toda a gente que ouviu que [as palavras do candidato republicano] representam exatamente quem ele é”, atacou Hillary Clinton.

Sim, porque embora Hillary tenha tentado manter a postura calma e sorridente, adotada na contenda do dia 26 de setembro, foi várias vezes a reboque dos comentários e insultos de Trump, e entrou, também ela, no ciclo vicioso das avaliações de caráter. Desde logo pela forma como iniciou o debate, referindo que nunca tinha questionado a preparação de outros candidatos republicanos para servirem como presidentes, mas que “em relação ao Donald não”. “Ele não tem preparação para ser presidente ou comandante-chefe”, acusou a candidata democrata.

Pouco depois, quando Trump prometeu – se for eleito no dia 8 de novembro – nomear um procurador especial para investigar e, se for preciso, prender Clinton, por esta ter utilizado o seu email pessoal para tratar assuntos confidenciais, a candidata democrata desabafou que “é terrivelmente bom saber que alguém com o temperamento de Donald Trump não é o responsável pela justiça no nosso país”.

Pelo meio, e perante o crescente clima de tensão que transbordando do palco, a candidata do Partido Democrata invocou, em vários momentos, citações, declarações e posições controversas de Trump. Como quando este fez pouco de um deficiente, descriminou afro-americanos e latinos, descredibilizou uma família muçulmana que perdeu um filho ao serviço do exército norte-americano e fez “acusações falsas” sobre o verdadeiro local de nascimento do presidente Barack Obama. “Ele [Donald Trump] tem de ser responsabilizado pelas suas ações e palavras”, pediu Clinton. “Ela tem imenso ódio no coração”, respondeu o republicano.

E quando se falou efetivamente sobre promessas eleitorais, política interna e externa e temas que realmente interessam aos norte-americanos, foi quase impossível deixar de lado o insulto e a descredibilização pessoal. “São só palavras, amigos. São só palavras”, interrompia Trump, depois de Hillary apresentar algumas ideias concretas, relembrando que a ex-secretária de Estado esteve “30 anos” no poder e nada fez para mudar, por exemplo, a legislação fiscal que permitiu ao magnata evitar pagar determinados impostos, devido à existência de lacunas na lei, como pareceu sugerir o próprio. 

A verdade é que não houve um vencedor claro, nem um derrotado óbvio, na contenda com vista à Casa Branca. Mas tendo em conta a espiral negativa que a candidatura republicana vinha atravessando – agravada, naturalmente, pelos acontecimentos dos últimos dias – a maioria da imprensa norte-americana e internacional, mesmo argumentando que Hillary continua a ser favorita à eleição, admite que Trump saiu vivo de Saint Louis e reforçado junto dos seus apoiantes. 

Ainda que tenha alguns assuntos por resolver. Nomeadamente porque descredibilizou o candidato a vice-presidente, pelos Republicanos, Mike Pence, no que toca a Vladimir Putin e aos planos da candidatura para o Médio Oriente. Pence criticou recentemente o presidente russo, mas Trump disse não concordar com o seu running mate. E admitiu que os dois não tinham debatido ainda o papel da Rússia na guerra da Síria.

O terceiro e último confronto entre Hillary Clinton e Donald Trump está marcado para o dia 19 de outubro. Tendo em conta o nivelamento por baixo do debate desta segunda-feira, será difícil que a próxima disputa seja tão denegrida. Mas se os candidatos não mudarem de estratégia – nomeadamente Trump – muito dificilmente podemos esperar mais do que aquilo que assistimos esta madrugada. E a dúvida mantém-se: numa eleição em que os dois principais candidatos defendem posições tão antagónicas, o que estarão a pensar os eleitores indecisos?