O homem do aparelho das Nações Unidas

A unanimidade nacional em torno de António Guterres é agradável – tendo em conta que estamos num país deprimido, com fraca autoestima, ligeiramente depressivo que só se entusiasma com ‘a Pátria’ – aquela palavra que ninguém de esquerda com a exceção de Manuel Alegre ousa pronunciar por razões de trauma coletivo – em dias de…

António Guterres mereceu ganhar. Era o mais bem preparado. Era o que andava há mais tempo ‘nisto’. Era o que fazia networking , uma palavra que só muitos anos depois dele ter começado a exercê-la entrou para o léxico das organizações. Guterres montou o seu poder dentro do PS de uma forma lenta, meticulosa, demorada e consistente. Tudo começou há muitos anos quando o PS o nomeou secretário nacional para a Organização, um cargo fundamental do partido nesses tempos que era o sinónimo de ‘homem do aparelho’.

As ambições de Guterres vinham desde o tempo em que Mário Soares chefiava o partido, debaixo da contestação do seu próprio secretariado que depois ficaria conhecido como ‘ex-secretariado’, conhecida a demissão. António Guterres era o anfitrião das reuniões de conspiração no sótão da sua casa contra Mário Soares. Na época, Soares era ‘a direita do PS’, enquanto Guterres, Jorge Sampaio e Vítor Constâncio – com a bênção de Salgado Zenha – eram a esquerda.

Guterres queria ser líder do PS desde esses tempos antigos, mas só conseguirá depois de dar a vez a Vítor Constâncio e a Jorge Sampaio. Sampaio antecipou-se ao anúncio que Guterres também queria fazer, mas a vingança virá anos depois: em 1991, quando Cavaco renova a maioria absoluta, Guterres anuncia estar «em estado de choque» e força o confronto com Jorge Sampaio. Guterres tinha durante os anos conquistado com persistência o aparelho do PS e ganhou. Agora, conquistou o aparelho do mundo. É mais duro, mais difícil, mais inesquecível.