Lisboa expõe divisões (e ambições) no PSD

Os barões estão longe de Passos Coelho e a sua direção está longe de Lisboa. José Eduardo Martins não está nem perto nem longe de ninguém. Mas há quem não ache graça.

Lisboa expõe divisões (e ambições) no PSD

Entre os sociais-democractas há silêncios incómodos e muito barulho de fundo. Com a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa e a reforma política – para a Goldman Sachs – de Durão Barroso, sobraram dois ‘senadores’ ao PSD: Pedro Santana Lopes e Luís Marques Mendes, ambos em procura de estado de graça – um como provedor da Santa Casa, outro como comentador dominical – e nenhum deles passista; nisso, aliás, coincidem com o Presidente da República. A liderança de Pedro Passos Coelho à frente do Partido Social Democrata está, todavia, estável. Segundo o próprio. 

Um congresso sem oposição e duas vitórias eleitorais sustentam o presidente do PSD. É certo que foram vitórias amargas, de algum modo confiscadas por António Costa. Passos Coelho vence as legislativas, mas o primeiro-ministro é Costa. O PSD vence as presidenciais, mas o presidente defende o governo minoritário do PS.

Não deixam de ser vitórias, claro, mas também não deixam de ser amargas. A legitimação do voto não tem a mesma força que a legitimação do exercício de poder. Costa descobriu isso, Marcelo compreendeu isso, Passos aprendeu isso. Cada um a seu tempo e o compasso vai fechando.

Nas autárquicas do próximo ano, a batuta de Belém pode cessar a música. O resto da orquestra anda a compor-se. Há solistas hesitantes, compositores à espreita e meninos do coro rebeldes. No fim, tudo depende do maestro, Marcelo, que sabe melhor que a sala inteira: a política é um concerto que começa com a pauta por escrever. Em 2017, poderá determinar-se para que lado caem os aplausos. Até lá, há intérpretes a desafinar. E tudo começou num grande palco. Lisboa.

Quando Mauro Xavier – presidente do PSD/Lisboa – nomeia José Eduardo Martins para coordenar o programa autárquico sem avisar a sua comissão política ou a direção do partido, há vários pontos a considerar. Primeiro, as razões para Mauro Xavier o fazer. Havia que preencher o vazio que a hesitação de Santana Lopes em assumir uma candidatura à Câmara Municipal de Lisboa trouxe e havia que preencher esse vazio com uma cara jovem. Porquê? Santana, o nome mais falado para concorrer pelo PSD, tem quase mais duas décadas de idade que Fernando Medina, o atual presidente da Câmara, e Assunção Cristas, a candidata do CDS-PP. O outro motivo que terá levado Mauro Xavier a convidar José Eduardo Martins terá que ver com a necessidade de afastar o PSD de um apoio a Assunção Cristas. Com a coordenação do programa, o PSD ganha autonomia e deixa Cristas ‘fazer a sua vida’, algo que Mauro Xavier vem defendendo há meses. Em segundo lugar, a razão para José Eduardo aceitar o convite e abandonar o seu exílio político. Além das boas relações que mantém com a concelhia lisboeta, o ex-secretário de Estado só pode ver com bons olhos a hipótese de receber o protagonismo que o projeto lhe vai proporcionar sem ter o risco de ir a votos. É o melhor dos dois mundos, ainda por cima debaixo do nariz de uma direção que nunca quis saber dele. Quem recusaria? Ninguém, pelo menos com a história dele.

Os sociais-democratas ouviram quando Marcelo decretou as eleições autárquicas como um fim de ciclo político. A maioria acredita que Luís Montenegro, líder da bancada parlamentar, só sucederia a Passos numa lógica sucessória. E a maioria sabe que (1) Mauro Xavier está a convidar o opositor mais assumido de Passos Coelho para a autarquia mais importante do país, (2) Mauro Xavier trabalha com Pedro Duarte na Microsoft, (3) Pedro Duarte é o segundo opositor mais assumido de Passos Coelho dentro do partido, (4) tanto José Eduardo Martins como Pedro Duarte são apoiantes e de boas relações com Marcelo, (5) Marcelo deseja um Bloco Central impossível com Passos Coelho, (6) Mauro Xavier é amigo de longa data de Miguel Relvas – que “para o bem e para o mal” continua mestre-de-cerimónias do Partido Social Democrata – e (7) Marques Mendes apoiaria uma candidatura de José Eduardo Martins a Lisboa.

Portanto, que aqui há gato, há. E não tem sete vidas. Onde é que entra Santana? No início. Ou se preferirem, um pouco por toda a parte. O PSD/Lisboa nunca escondeu o respeito político que tem pelo provedor da Santa Casa da Misericórdia e que apoiaria uma candidatura sua. Terão havido conversas. Santana saberia da disponibilidade de José Eduardo Martins para coordenar o programa para a autarquia, embora fontes estranhem que fosse homem «para vestir um fato desenhado por outro alfaiate», não o vendo a concorrer com ideias concebidas por um político que não é propriamente um ‘santanista’.

Mas o santanismo estava lá. Uma notícia do Público revelava-o. Para a equipa de José Eduardo Martins surgiam nomes como Diogo Agostinho, o chefe de gabinete de Santana Lopes; Ricardo Alves Gomes, da mesa da Santa Casa; Ana Zita Gomes, ex-assessora da Santa Casa e ex-deputada do PSD; Carlos Reis, ex-dirigente local do PSD e a exercer advocacia no escritório de Rui Gomes da Silva, que foi ministro de Santana.

Parecia coincidência a mais. Agostinho lembrou que já havia colaborado com o programa de Fernando Seara, que até tem um blogue sobre Pensar Lisboa, que há vida para lá das ‘tricas partidárias’ e não reunira com ninguém. Alves Gomes veio desmentir a notícia, sendo funcionário da Santa Casa numa administração nomeada por um governo do PS estava naturalmente constrangido, e admitiu que fora José Eduardo Martins a revelar o seu nome ao Público. Tal não caiu nada bem junto de Santana Lopes, que viu gente próxima da Santa Casa ligada às eleições autárquicas sobre as quais não pretende assumir (nem decidir) nada até final do ano. Mauro Xavier e José Eduardo Martins não confirmaram nem desmentiram a lista da notícia na sua totalidade e o silêncio tornou-se incómodo. Alguém se esqueceu de olhar para a pauta e a corda do violino saltou.

A notícia do Público teve, todavia, mais que uma consequência. Os nomes de António Proa e Rodrigo Gonçalves, também referidos, desagradam a alguns membros do PSD. Proa fez um mandato discreto como vereador na Câmara lisboeta e surgir agora como membro da coordenação do programa soou deslocado. Gonçalves, pelos anticorpos que tem com Passos Coelho, pelos vários processos judiciais em que se viu envolvido e pelo facto de ser apontado como um dos favoritos a suceder a Mauro Xavier na chefia do PSD/Lisboa. Muitos sociais democratas da capital não apreciam o semblante de salvação que o projeto de José Eduardo Martins assume, em especial devido à sua entrada de rompante e sem prévia consulta. Ao afirmar em entrevista que «falta oposição em Lisboa», Martins provocou a ira em alguns colegas de partido. «Já não é só comentador, é coordenador de ideias. Talvez ainda não tenha percebido isso», atira um deles. «Este tipo de intervenções não beneficia nada o PSD».

A descoordenação entre Mauro Xavier, Santana Lopes, José Eduardo Martins e a direção do PSD pode ser uma janela de oportunidade para uns, um desconforto para outros. Não é por acaso que Teresa Leal Coelho, que se fazia substituir na maioria das reuniões camarárias, passou a participar mais ativamente na vida autárquica desde que Mauro Xavier convidou José Eduardo Martins. Algumas reuniões até foram alteradas de quarta-feira para quinta-feira de modo a Leal Coelho conseguir comparecer.

Com a distância de Santana, o entusiasmo de José Eduardo e o isolamento de Mauro Xavier – bem visível na última Comissão Nacional do partido – a orquestra pode pender para uma solução de consenso. Maria Luís à presidência da Câmara de Lisboa e José Eduardo como vice é uma hipótese falada. O primeiro objetivo de Mauro Xavier, sobretudo, já foi cumprido. Um apoio do PSD a Assunção Cristas – nunca descartado verdadeiramente pela coordenação autárquica do partido – está hoje bem longe deste espetáculo.

O certo é que não é preciso estar sentado num camarote para confirmar que a disputa do município lisboeta servirá de antecâmara para o futuro do Partido Social Democrata. Isso até a plateia já reparou. A ver se todos os músicos estão acordados. Não vá o Diabo tecê-las.