O SNS em tempo de crise económica

Na maior parte dos países ocidentais – europeus, especialmente – os cuidados de saúde organizam-se à volta de sistemas públicos, isto é, financiados pelos orçamentos dos Estados.

Em determinados países uma parte dos cuidados é prestada por instituições privadas (lucrativas eou sociais) com variações significativas da percentagem de divisão desta actividade assistencial.

Conforme o sistema adoptado, naturalmente que as dificuldades financeiras se repercutem diferentemente na oferta dos cuidados, quer em quantidade, quer em qualidade.

Quando se instala uma crise económico-financeira como a que presentemente Portugal atravessa, estruturas que, como o Serviço Nacional de Saúde (SNS), são financiadas pelo Orçamento Geral do Estado – isto é, dinheiro proveniente dos impostos dos cidadãos – têm tendência a sofrer mais agudizadamente as restrições do que sistemas mistos, em que o financiamento não provém apenas do Estado. A questão aqui é a da possibilidade de evitar a degradação da oferta, ou um menor acesso, devido à redução do financiamento.

Se juntarmos a isto o facto de o financiamento estatal ter muitas vezes na sua base critérios políticos em vez de técnico-científicos, isto é, definindo prioridades de investimento por oportunidade e não por critérios de custo-eficácia ou qualidade dos cuidados, então compreendemos facilmente o porquê das preocupações sobre a sustentabilidade do SNS.

Por outro lado, é bom ter em mente que não é apenas o financiamento que garante a qualidade: existe uma relação directa entre o que se gasta em saúde e a qualidade dos cuidados (ambos sobem) mas apenas até um certo nível, a partir do qual os cuidados se deterioram e ficamos no pior dos mundos: cuidados piores e mais caros. Esta realidade é captável com um sistema de informação permanente que forneça dados fiáveis.

A dimensão da investigação na saúde atingiu níveis jamais vistos: hoje em dia investiga-se tudo (doentes, doenças, sistemas de saúde, intervenções, rastreios, resultados, etc), a qualidade média dos estudos é bastante superior à de escassos anos atrás e esta informação está acessível aos decisores.

Por isso, impõe-se que as decisões sobre o que se deve financiar ou não se baseiem em dados científicos sólidos, definindo os impactos e riscos da medicina moderna e sobre o conhecimento acumulado internacionalmente sobre as melhores formas de organizar o sistema de saúde, como é o caso do trabalho do conhecido Michael Porter que em breve estará em Portugal para falar sobre organização em saúde.

Não queremos com isto esvaziar a decisão política na saúde, apenas defendemos que ela deve existir com menos preponderância do que actualmente, em que a maior parte dos problemas têm soluções técnico-científicas e profissionais, mas são resolvidos politicamente.

Finalmente, põe-se legitimamente a pergunta: como prioritizar? A nossa proposta é que as prioridades na saúde deverão ser definidas em conjunto pelos cidadãos informados, pelos profissionais de saúde, pelos administradores/gestores e pelos decisores políticos, baseadas em dados científicos, económicos e políticos sólidos e transparentes. Só assim poderemos atravessar esta tormenta com males menores.

*Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

**Professor da Católica Business School

Nota de redacção – Na última edição, o artigo do professor Xavier Pintado foi publicado com a fotografia de João Confraria, também docente na Católica-Lisbon. Aos visados e aos leitores, as nossas desculpas pelo lapso.