Imposto sobre refrigerantes é “pura obtenção de receita”

Bebidas poderão encarecer até 16 cêntimos. Ficam de fora bebidas doces à base de leite, sumos e néctares

“Pura obtenção de receita.” É desta forma que o diretor-geral da Centromarca reage ao i sobre a medida do governo que deverá ser apresentada no Orçamento do Estado e que prevê a introdução de um novo imposto sobre os refrigerantes. Pedro Pimentel acredita que esta iniciativa irá “inevitavelmente ter um impacto negativo no consumo destes produtos”, já que, a concretizar-se, sumos e refrigerantes ficarão mais caros a partir do próximo ano para “obrigar” os portugueses a preferirem bebidas pouco ou nada açucaradas.

O responsável lembra que as bebidas não alcoólicas registaram um aumento de 0,6% em volume nos primeiros nove meses do ano e que os sumos foram um dos principais responsáveis por este aumento. Já no período do verão registaram-se aumentos de 8,4% nas bebidas não alcoólicas.

Para o diretor-geral, “há muitas formas de chegar ao mesmo objetivo, e não forçosamente através da via fiscal”, uma vez que considera que a medida não vai conduzir a uma mudança de hábitos por si só. No entender do responsável, “criar este tipo de taxas é cortar caminho. É tentar, pela via do preço, induzir uma redução do consumo. Temos as maiores dúvidas que qualquer medida fiscal tenha este impacto”, salienta.

Recorde-se que o governo prevê introduzir dois escalões de imposto. Um primeiro escalão tributará em 8,22 euros por hectolitro (o equivalente a 100 litros) as bebidas que tenham uma concentração até 80 gramas de açúcar por litro e um segundo escalão de 16,44 euros por hectolitro incidirá sobre as bebidas cujo nível de açúcar ultrapasse este patamar de 80 gramas por litro. No entanto, o plano do executivo, ainda sujeito a validação final, deixa de fora bebidas doces à base de leite, sumos e néctares. Feitas as contas, este novo imposto pode vir a encarecer até 16 cêntimos os produtos a que se aplica.

Esta nova fiscalidade também está no centro das preocupações da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), que já se reuniu com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, para debater e dialogar sobre a fiscalidade no setor.

Já a Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA) diz que a criação de um novo imposto sobre bebidas açucaradas contradiz todo o trabalho que as empresas têm feito em conjunto com o governo e as autoridades de saúde, na redução dos níveis de açúcar.

Recuo
O certo é que já poderá ter havido um recuo por parte do governo na criação deste imposto sobre o consumo. Inicialmente surgiu a ideia de que este novo imposto – fat tax (imposto sobre as gorduras) – iria recair não só sobre os refrigerantes, mas também sobre os produtos com açúcar, sal e gorduras. A ideia acabou por cair e penalizar apenas as bebidas.

Este novo imposto que recairá sobre o consumidor final pode gerar uma receita adicional entre 50 milhões a 100 milhões de euros, que irá reverter para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Além disso, o executivo vai ter de compensar o efeito do desaparecimento da sobretaxa do IRS e da redução do IVA na restauração. Daí estar a planear, para 2017, a adoção de medidas que garantam o aumento da receita de impostos indiretos em 210 milhões de euros – uma situação que já foi admitida pelo ministro das Finanças, com Mário Centeno a não afastar o aumento dos impostos indiretos.

A estratégia não tem conquistado os fiscalistas ouvidos pelo i por considerarem que será residual em termos de receita fiscal para os cofres do Estado. Para Sérgio Vasques, antigo secretário de Estado de José Sócrates, estamos perante um “imposto-bagatela”. Já para Tiago Caiado Guerreiro, “o imposto em si deve ser balanceado com a redução do imposto dos produtos saudáveis. Pode-se aplicar taxas nas bebidas gaseificadas, agravar a taxa de determinado tipo de bolos ou snacks, mas é preciso desagravar, por exemplo, o imposto sobre as sandes”, salienta.

A questão chegou a ser ponderada na última legislatura; no entanto, não chegou a avançar. Maria Luís Albuquerque admitiu em 2014 que se equacionavam contributos do lado da receita para resolver as dívidas da saúde, dando como exemplo “a tributação sobre produtos que têm efeitos nocivos para a saúde”. O Ministério da Saúde chegou a defender a criação de uma nova taxa que se aplicaria sobre bebidas açucaradas ou produtos com excesso de sal.

Tendência
Já há vários países onde esta taxa é aplicada com estes moldes. Na Hungria aplica-se a fat tax a refrigerantes, bebidas energéticas, produtos doces pré-embalados ou ainda aos snacks. Já a Finlândia aplica este tipo de imposto aos doces, chocolates, gelados e refrigerantes; em França, todas as bebidas açucaradas são taxadas desde 2012, e em 2013 avançou-se para as energéticas.

Aliás, as bebidas açucaradas têm estado na linha de mira da Organização Mundial da Saúde (OMS). Para combater a obesidade e os diabetes, a entidade defende um aumento dos impostos de pelo menos 20% sobre refrigerantes, por forma a baixar o consumo na mesma proporção.

Segundo a OMS, em 2014, em todo o mundo, 39% dos adultos tinham excesso de peso e os números duplicaram desde 1980. Ao mesmo tempo, estima que 42 milhões de crianças com menos de cinco anos tenham excesso de peso ou obesidade – um aumento de cerca de 11 milhões nos últimos 15 anos. Em compensação, a ONU sugere a atribuição de subsídios aos legumes e aos frutos, para reduzir os preços ao consumidor.