Ucrânia. Líder separatista assassinado numa guerra abandonada

O apartamento de ‘Motorola’ Pavlov, em pleno bastião dos rebeldes, foi armadilhado com uma bomba

Tudo vai mal na Ucrânia esquecida. Dois anos e meio se passaram desde o início do conflito que opõe rebeldes pró-russos e forças ucranianas leais a Kiev e que resultou na criação artificial de duas Ucrânias e nenhuma solução pacífica à vista. 

O passado domingo conheceu mais um episódio desta história sangrenta, depois de um dos mais importantes senhores da guerra dos separatistas ter morrido, vítima da explosão de uma bomba, colocada no elevador do seu apartamento, em Donetsk, a ‘capital’ dos rebeldes apoiados pela Rússia.

Quando no final de 2013 e inícios de 2014 os ucranianos encheram e se confrontaram na Praça da Independência de Kiev, devido à rejeição do acordo de parceria com a União Europeia, por parte do ex-presidente Viktor Ianukovich, a comunicação social não arredou pé da Ucrânia. A velocidade com que os acontecimentos se foram sucedendo e atropelando uns aos outros, nos meses seguintes – a queda do governo, a anexação russa da Crimeia, o início da batalha pelo leste ucraniano ou o abatimento do voo MH17 por forças separatistas – fazia prever que o país pudesse continuar debaixo do foco da opinião pública e da imprensa ocidental. 

Tanto que a União Europeia, a NATO e os EUA puseram em prática um plano de duras sanções económicas e diplomáticas à Federação Russa, quer pela tentativa de alteração das suas fronteiras terrestres – no caso da península da Crimeia – quer pelo patrocínio e apoio de Moscovo aos rebeldes separatistas, rotulado pelos principais dirigentes europeus e norte-americanos como “evidente”.

Mas o conflito foi-se arrastando, o interesse foi-se perdendo e a guerra que já fez mais de 9 mil mortos e obrigou ao desalojamento de metade de um país, acabou mesmo esquecida. 

O assassinato do comandante Arsen Pavlov, mais conhecido por Motorola, merece, contudo, que se volte a lembrar o conflito e as caras por trás do mesmo. Este guerrilheiro, que liderava um grupo de soldados rebeldes, autodenominado “Batalhão de Esparta”, nasceu há 33 anos na república russa de Komi, no noroeste daquele gigantesco país e foi um dos “voluntários” que decidiu juntar-se à conquista do leste ucraniano, no pós-EuroMaidan. Rapidamente se tornou “uma das caras mais facilmente identificáveis” da revolta separatista, como descreve o jornal britânico “The Guardian”, nomeadamente por ter confessado, numa entrevista a um meio de comunicação russo, que havia executado 15 prisioneiros de guerra ucranianos, com um tiro na cabeça.

A morte de Motorola foi confirmada pelas agências noticiosas controladas pelos soldados pró-Rússia, mas há dúvidas sobre o verdadeiro autor do crime. Citado pelo “Moscow Times”, o líder da autoproclamada República Popular de Donetsk acredita que o assassinato do “herói” Pavlov foi um “ato terrorista”, perpetrado por “forças especiais ucranianas”. “Podemos assumir que [o atual presidente da Ucrânia] Poroshenko rompeu a nossa trégua e nos declarou guerra”, acusou Alexander Zakharchenko, no domingo, deixando o aviso: “Não haverá misericórdia”.

Mas um vídeo publicado por um corresponde de guerra russo, no Twitter, mostra quatro homens encapuzados, que se identificam como neonazis ucranianos, e que querem os louros pelo assassinato de Motorola.

Esta reivindicação ilustra bem o conflito intricado que se vai desenrolando na Ucrânia. O surgimento de movimentos e propagandas extremistas, com origem nos mais variados campos políticos ou ideológicos, alinhadas tanto contra os separatistas, como contra as forças comandadas por uma Ucrânia pró-UE, cansaram uma comunciação social impaciente que, a manter-se o registo, continuará a deixar a guerra ucraniana ao abandono.

E nem as conclusões, apresentadas no final de setembro, por uma equipa de investigadores, que atribuiu o abate do voo MH17, no verão de 2014, a rebeldes armados pela Rússia, parece ter tido pujança suficiente para trazer o conflito ucraniano de volta para as primeiras páginas.