Orçamento: economistas divididos entre exigências de Bruxelas e elevado risco de incumprimento

Para os economistas contactados pelo i, a opinião é unânime: as medidas propostas pelo governo para o próximo ano cumprem as exigências de Bruxelas e, como tal, eles acreditam que o documento vá receber luz verde por parte das autoridades europeias. Já em relação às metas propostas, são consideradas mais realistas quando comparadas com as…

João Duque. “Nada bate certo neste Orçamento”

Cenário negativo Para João Duque, a proposta de Orçamento do Estado cumpre no papel as regras que são impostas pela Europa. E isso significa, no entender do economista, que “o governo deixou de ter uma estratégia litigante com a Europa para ter uma estratégia acomodatícia”. No entanto, o que mais o admira neste Orçamento é a perspetiva de o crescimento do consumo previsto ser menor do que o deste ano. “Aparentemente damos cada vez mais rendimento às pessoas para, afinal, consumirem cada vez menos. Isso é contrário à ideia do governo de que o país devia arrancar pela via do consumo. É surpreendente.” Também para João Duque, o investimento previsto no documento vai ser difícil de concretizar tendo em conta os resultados deste ano. “Isto significa que, já este ano, a estimativa vai estar empolada e não vejo porque é que Portugal vai fazer diferente em 2017 face a 2016, com o tipo de postura que temos para atrair investimento. É ir buscar chineses para vir investir em Portugal e, ao mesmo tempo, começamos a tributar casas quando permitimos que viessem para cá com vistos gold. Nada disto bate certo”, acrescenta.

Além disso, segundo o economista, com um crescimento de 1,5% do PIB para o próximo ano, “a probabilidade de Portugal fazer pior do que fez este ano é elevadíssima. Estou para ver como vai ser estarmos no mercado sem termos ninguém para nos proteger”. João Duque diz mesmo que o Orçamento é feito numa base de que as coisas hão de correr bem, à maneira portuguesa. “Não vejo em que medida há paciência e condições para que os países europeus votem num novo resgate a Portugal se for necessário, porque as pessoas estão sempre a contar que, se alguma coisa correr mal, temos a Europa para nos salvar”, acrescentando ainda que “só nos dariam a mão se abdicássemos, ou se mantivéssemos as reformas. Mas a lógica não é essa, não é feita de forma comedida, é a lógica do dar e depois logo seja o que Deus quiser. Correu mal este ano, porque há de correr bem no próximo ano?”, questiona. 

Nuno Teles. “Novos impostos são pequenos”

Riscos reduzidos Nuno Teles vê com preocupação o investimento público previsto que, no seu entender, é muito reduzido. Para o economista do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, se continuarmos com o investimento público tão baixo, isso poderá ter repercussões na redução da taxa de desemprego que o governo prevê para o próximo ano e que se deverá fixar nos 10,3%. “Se continuarmos com investimento tão baixo como temos, tenho dúvidas de que, no futuro, se consiga manter a sustentabilidade da redução da taxa de desemprego.” 
Ainda assim, admite que os números apresentados no Orçamento – crescimento de 1,5% do PIB e défice de 1,6% – “assentam em pressupostos que são razoavelmente realistas”.

Já em relação à posição de Bruxelas quanto à aprovação do documento, Nuno Teles diz que se trata mais de uma questão política do que de modelo económico. “Não dependerá tanto do Orçamento em causa, mas sim de outro tipo de medidas, nomeadamente as que estão relacionadas com o mercado de trabalho. Acho que a grande questão de Bruxelas se coloca mais ao nível do salário mínimo, por exemplo”, acrescentando ainda que “as questões do Orçamento funcionam mais como uma moeda de troca ou uma forma de pressão sobre o governo para manter aquele que foi o aparato regulatório das questões laborais fixadas no memorando de entendimento.” 

Quanto à carga fiscal, o economista admite que há o aparecimento de novos impostos, mas que considera “relativamente pequenos”, como é o caso dos impostos sobre os refrigerantes ou as balas de caça. Mas deixa um alerta: “A questão da carga fiscal está condicionada pelo crescimento económico previsto pelo governo. Se o crescimento económico for superior ao que está previsto, então a carga fiscal desce, mas se for abaixo, a carga fiscal sobe”, conclui. 

Mira Amaral. “Há austeridade low-cost”

Exercício difícil Aos olhos de Luís Mira Amaral, o Orçamento do Estado para 2017 fica acima de tudo marcado por aquilo a que chama “uma austeridade low-cost”. Ainda que admita que o cenário macroeconómico é “mais realista” do que o que foi apresentado para 2016, sublinha que “este Orçamento do Estado é um difícil exercício entre o que pedem em Bruxelas e o que é pedido pelo PCP e BE”.

Para o administrador executivo da Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI), é de notar ainda que “há medidas que são de um cinismo atroz”. Há dois pontos que merecem nota: “Estou perplexo com o chamado imposto Mariana Mortágua [o novo imposto sobre o património] e não percebo a história das pensões mais baixas.” 

Além disso, Mira Amaral assume que se trata de uma proposta que comporta vários riscos, ainda que assuma que “o do ano passado tinha mais”. “O Orçamento deste ano é mais realista, mas claro que comporta riscos. Dos mais variados. Até porque não podemos esquecer que há problemas de confiança dos investidores, há uma economia estagnada e há ainda riscos de o défice não se cumprir [o governo estima um défice orçamental de 1,6% do PIB em 2017].” 

Também o facto de a sobretaxa de IRS não desaparecer completamente no início do ano para todos, como inicialmente tinha sido prometido, merece particular destaque. Na opinião de Luís Mira Amaral, “é preciso ter em conta que o governo disse que acabava com a sobretaxa, mas o que vejo é um adiamento. E esta é uma prova de prudência por causa dos riscos que o OE comporta.”

Com linhas macroeconómicas mais realistas, esta é então, na opinião de Luís Mira Amaral, uma proposta onde “acabaram com a ideia de que o consumo interno é que ia ser a solução”. Mas onde também “não há margem para o investimento público”. Já em relação a Bruxelas, Mira Amaral assume que “vai passar por causa do compromisso simpático do défice”.

Paes Mamede. “Minimiza os riscos de conflito”

Esforço “Um Orçamento que tem por objetivo fundamental minimizar os riscos de conflito com a Comissão Europeia sem desrespeitar os acordos à esquerda.” É assim que  Ricardo Paes Mamede, professor e economista, avalia as linhas principais desta proposta de Orçamento do Estado para 2017, acrescentando que “isto reflete-se quer no cenário macroeconómico (alinhado com o dos serviços da Comissão), quer num esforço elevado de consolidação orçamental (um défice primário de 2,8% do PIB, um dos maiores da UE), acompanhados pela adoção de algumas medidas redistributivas (AIMI, aumento das pensões, descongelamento do IAS, etc.)”.

Paes Mamede assume ainda que, como qualquer outra proposta, este Orçamento do Estado comporta alguns riscos, mas acima de tudo de “natureza externa”: “Os principais riscos são de natureza externa (efeitos do Brexit, subida das taxas de juro nos EUA, novas fontes de instabilidade financeira, etc.).” Outro risco que se apresenta com o esboço de plano orçamental de Portugal, enviado esta segunda--feira para a Comissão Europeia, tem a ver sobretudo com “algum risco judicial associado à recuperação de garantias ao BPP [Banco Privado Português]”. 

No entender do economista, existe ainda a preocupação causada pela “previsão de queda acentuada do consumo público, que dá um contributo negativo para a recuperação da economia e do emprego”. Já em relação a Bruxelas, Paes Mamede assume que “é difícil prever” o que vai acontecer e sublinha: “As metas vão ao encontro das expetativas da Comissão. Poderá ser questionada a contabilização do défice estrutural, o que forçaria o governo a rever o OE para evitar o confronto com as instituições da UE. Especialmente importante será saber se Portugal sairá do procedimento por défices excessivos, o que dependerá da forma como será contabilizada a capitalização da CGD.”

Filipe Garcia. “Há grandes riscos de falhar”

Maior presença do Estado Para Filipe Garcia, o Orçamento deste ano caracteriza-se por aumento da carga fiscal e maior presença do Estado na economia, “justificados algures entre a ideologia e a necessidade de cobrar mais impostos”.

Para o economista, a inflação prevista de 1,5% “arrisca-se a falhar” e o mesmo poderá acontecer com a previsão do crescimento económico, tal como aconteceu este ano. “Acredito que haja um risco grande de falhar, assim como a meta da inflação, mas admito que com a subida de alguns impostos indiretos, a subida do petróleo e até alguma debilidade do euro podem mesmo vir a ajudar nesta questão da inflação.” E o economista recorda porque é isto importante: “Os impostos e a dívida pagam-se com peso nominal, e não real. Se o nível de inflação for muito baixo, ou até negativo, para o mesmo nível de crescimento vou cobrar menos impostos. O que está projetado é uma determinada inflação que, se não se verificar, poderá haver um problema de impostos indiretos.” 

O economista lembra também que, em qualquer entidade, um orçamento deveria ser a concretização financeira de uma estratégia de longo prazo, mesmo que sujeito a restrições e equilíbrios. Mas, no caso de Portugal, os “clientes” do Orçamento são muitos e com ambições muito díspares. “As numerosas partes interessadas condicionam as decisões e, para se agradar a todos, o resultado arrisca–se a ser uma amálgama de coisa nenhuma. A culpa não é apenas deste governo, mas quanto mais Estado, maior a necessidade e tentação de intervir discricionariamente, gerando ineficiências e injustiças”, refere. Ou seja, para Filipe Garcia, o OE 2017 vai deixar os clientes internacionais satisfeitos; Frankfurt, Bruxelas e “mercados”. 

Eugénio Rosa. “Há soluções inaceitáveis”

Compromisso Para Eugénio Rosa, as linhas gerais desta proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano ficam marcadas essencialmente por um “esforço de resolver alguns problemas sociais como, por exemplo, o das pensões”. No entanto, o economista não esconde que é neste caso que as medidas mais são “insuficientes”: “Estou a pensar, por exemplo, no que acontece no caso das pensões mais baixas. Ou seja, há um esforço para responder aos problemas sociais mais urgentes. Mas há soluções que são inaceitáveis [muitos beneficiários de pensões mínimas continuam sem aumentos].” 

No entanto, salienta que também fica claro que existe um “compromisso de reduzir o défice e isso é importante. Ter um défice grande é sempre um problema, embora tenha de ser visto e enquadrado tendo em conta o panorama geral do país. É preciso perceber que o equilíbrio orçamental passa muito pelo crescimento económico”.
Além disso, Eugénio Rosa assume que “os Orçamentos do Estado são previsões e há sempre riscos porque podem falhar”: “Um exemplo concreto é o facto de o crescimento que estava previsto para este ano não ter sido atingido. Até porque o crescimento está muito dependente de muitos fatores externos.”

Riscos que aumentam tendo em conta que “as previsões que têm estado a ser feitas têm pouca margem. Ou seja, claro que tem de ser um Orçamento de risco porque as margens de segurança são estreitas”.

Um cenário que justifica algumas das decisões que foram tomadas para o ano que vem. Para Eugénio Rosa, há um grande esforço a nível social, mas “que acaba por ser muito pressionado por esta falta de margem”. 

Já em relação à luz verde de Bruxelas, o economista não tem dúvidas: “Não vai haver qualquer problema porque o documento cumpre todas as regras. Além disso, reduz bastante o défice.”