As nossas ‘Ronaldas’ também querem brilhar no Europeu

Após uma fase final de apuramento épica, a seleção nacional feminina conseguiu mesmo o inédito apuramento para um campeonato da Europa. Não faltou luta e capacidade de sacrifício, mas foi uma fezada à Eder que carimbou o bilhete

O ano de 2016 ficará definitivamente marcado na história do futebol português de seleções. O conto de fadas começou em maio, com a conquista do campeonato europeu de sub-17 no Azerbaijão, e alargou-se a França, onde a seleção nacional A conseguiu a maior vitória da sua história. Agora foi a vez das meninas: na Roménia, perante uma assistência recorde para a equipa da casa (estiveram 7110 pessoas em Cluj-Napoca), a seleção feminina de Portugal conseguiu um inédito e histórico apuramento para a fase final do Europeu 2017, que se disputará na Holanda. E pelos pés de Andreia Norton, que cumpriu aqui a primeira internacionalização A da sua carreira. Inesquecível.

Quando, há pouco mais de uma semana, a Federação Portuguesa de Futebol renovou o contrato com o selecionador Francisco Neto até 2019, a ambição do organismo ficou muito clara: Portugal tinha de estar numa fase final de um Europeu. Podia ser já, em 2017 ou em 2021, mas a equipa portuguesa resolveu não esperar mais e fazer história desde já.

Portugal já tinha chegado a este patamar por duas vezes na sua história, mas nem em 1997 nem em 2001 conseguiu o tão almejado bilhete. Desta vez, e apesar do péssimo arranque – quatro derrotas nos primeiros três jogos –, as jogadoras portuguesas conseguiram fintar o destino e inscrever o seu nome na galeria da imortalidade: aconteça o que acontecer no futuro, o seu nome ficará para sempre gravado a páginas de ouro na história do futebol feminino do nosso país.

Até ao último suspiro Sofrimento foi a palavra omnipresente nesta qualificação. Como o tem sido, na verdade, em toda a história de Portugal: um país erigido na base do sacrifício, da superação, da determinação, tenacidade e coragem. Conseguido in extremis o apuramento para o play-off, começou a florescer nas atletas lusas o sonho do nunca atingido. “Só” faltava ultrapassar a Roménia, também ela à procura da primeira presença de sempre em Europeus. Mas a primeira mão, no Estádio do Restelo, voltou a ser madrasta para as portuguesas: dominaram o jogo por completo, mas criaram poucas situações – e na melhor de que dispuseram, a capitã e craque do conjunto, Cláudia Neto, atirou ao poste na conversão de uma grande penalidade, uma das suas especialidades.

O 0-0 final augurava mais do mesmo para Cluj-Napoca: muitas dificuldades, muito sofrimento, muito suor e dores de cabeça. Mas também muita entrega, concentração e inteligência: com esses ingredientes, o sonho ficava ali à mão de semear. E foi assim que a coisa se deu: a Roménia carregou mais durante grande parte dos 90 minutos, mas a defesa de Portugal esteve sempre segura e assertiva. Ou quase sempre – mas quando a organização coletiva falhou, Patrícia Morais respondeu a grande altura. Como aos 56 minutos, quando negou o golo a Alexandra Lunca – de longe, a melhor jogadora romena.

Portugal adotou uma estratégia cautelosa ao longo de quase todo o jogo, mas acabou por ter mesmo as mais flagrantes ocasiões no tempo regulamentar. Primeiro, ainda na metade inaugural, no que seria um golo monumental de Carolina Mendes: um calcanhar ao melhor estilo de Madjer, o tal argelino que figura nos livros de memórias do FC Porto. E a fechar, só por mera infelicidade Portugal não selou as contas do play-off: Ana Borges, que ao intervalo passou de lateral-esquerdo para extremo-direito, fez tudo bem pelo seu corredor, mas acabou por ver o remate final desviado por uma defesa romena. Aquele levava o selo… mas não foi entregue.

Virtuosismo e o pecado da gula Nulo no final dos 90 minutos, obrigação de jogar mais 30. Um martírio para ambas as equipas – já desde a hora de jogo que grande parte das jogadoras denotavam evidentes sinais de fadiga. Mas havia uma réstia de fogo nos pés e, em cima do intervalo do prolongamento, uma jogada brilhante de entendimento coletivo resultou no golo salvador: Andreia Norton começou a aventura com um cabrito no meio–campo e tocou para Cláudia Neto. Com apenas dois toques, a CN7 descobriu Ana Borges: a jogadora do Chelsea deixou uma adversária para trás e podia ter tentado o golo, mas foi pela hipótese altruísta. E foi bem: serviu Andreia Norton, que entretanto já tinha chegado à área e só precisou de um toque seco na bola para a colocar no fundo das redes romenas.

Ainda faltavam 15 minutos, porém, e a Roménia não se ficou: aos 110, golo de Laura Rus, num brilhante trabalho na área lusa. Mas a reação ficou por aqui, e até podia ter havido mais outro motivo de festa para Portugal ainda antes do apito final: desta feita, Andreia Norton foi gulosa e optou – mal – por rematar, quando tinha Diana Silva completamente solta em frente a uma baliza deserta. Não deu, mas não há crise: o 1-1 soube a goleada. Portugal está no Europeu e o dia 25 de outubro de 2016 ficará para sempre gravado nos registos da FPF.