Marrocos. País em polvorosa após morte chocante de peixeiro

Vaga de protestos começou na sexta-feira e promete arrastar-se pelos próximos dias. Há quem compare as manifestações com o fenómeno que deu origem às Primaveras Árabes  

Mouhcine Fikri tinha 31 anos e era peixeiro. Na passada sexta- -feira, as autoridades municipais da cidade marroquina de Al-Hoceima decidiram apreender a sua mercadoria, alegando que não é permitido comercializar peixe-espada nesta altura do ano. Indignado, Fikri subiu para o camião de lixo que triturava o seu peixe, para evitar que fosse destruído, mas acabou esmagado, de forma hedionda, pela trituradora do veículo.

As imagens chocantes foram gravadas por telemóvel e rapidamente circularam pelas redes sociais, espoletando uma gigantesca onda de protestos por várias cidades de Marrocos, como há muito não se via no país, e que se arrasta desde o fim de semana. Em Al-Hoceima, uma localidade banhada pelo Mar Mediterrâneo, as manifestações de desagrado contra a atuação desproporcionada das autoridades marroquinas levaram milhares de jovens a boicotar as escolas e a invadir as ruas. 

“Com estes protestos, os marroquinos estão a tentar dizer ao governo que já estão fartos desta impunidade e abuso de poder”, disse um jornalista local à Al- -Jazira. “O país está a mover-se de forma lenta, mas segura, em direção à democracia, [mas] uma grande parte do aparelho de segurança ainda lida com a população marroquina com a mesma mentalidade dos anos 80 e 90”, explicou ainda.

Os protestos começaram no norte do país e alargaram-se a cidades como Marraquexe, Rabat ou Casablanca. O aparato criado está a ser de tal modo significativo que há quem compare a morte de Fikri com a de Mohamed Bouazizi, o comerciante tunisino que se imolou, em 2010, depois de a polícia ter confiscado a sua mercadoria e cujo caso provocou uma vaga de indignação sem precedentes na Tunísia. O suicídio de Bouazizi acabou por dar início ao movimento contestatário que alastrou por vários países do norte de África e do Médio Oriente e que ficou conhecido como Primaveras Árabes.

Mas a realidade é que, enquanto a reação dos poderes dominantes, em países como a Líbia, a Argélia ou o Egito, foi repressiva e violenta, o governo marroquino já fez questão de condenar a atuação das autoridades de Al-Hoceima e ordenou, na terça-feira, a detenção de 11 pessoas, incluindo polícias e funcionários municipais, acusando-os de “homicídio voluntário e falsificação de documentos públicos”.

“Ninguém tinha o direito de tratar [Fikri] desta forma. Não podemos aceitar que oficiais atuem de forma impetuosa, irada ou em condições que não respeitem os direitos das pessoas”, condenou Mohamed Hassad, ministro do Interior, em comunicado.

Riccardo Fabiani, um investigador especializado em matérias sobre o Médio Oriente e o norte de África, também dá o exemplo da reação do governo para rejeitar a hipótese de um movimento semelhante ao que resultou na deposição de vários líderes autoritários na região. Citado pela Al-Jazira, Fabiani lembrou que as autoridades “não estão a reprimir e não estão a confrontar os protestantes, mas a tentar acalmá-los”.

Se é verdade que nas principais cidades de Marrocos não é muito comum verem-se protestos, na região setentrional do Rife, onde se situa Al-Hoceima, são mais usuais as manifestações populares de desagrado contra as autoridades. E é aí que a vaga de indignação pela morte do peixeiro promete continuar.