Venezuela. Vaticano liderou milagre político e as duas partes aderiram (para já)

Pela primeira vez em muitos meses pode-se respirar fundo, ainda que por alguns dias, na Venezuela.

Após uma digressão pelo Médio Oriente, onde se encontrou com os dirigentes dos principais países produtores de petróleo da região, Nicolás Maduro regressava a Caracas, preparado para enfrentar, de novo, a ira de uma oposição feroz, que detém a maioria do órgão parlamentar venezuelano e que o quer ver pelas costas.

No caminho de volta, no início da semana passada, o avião onde seguia fez uma escala técnica em Roma e o presidente chavista perguntou ao Papa se podiam falar. Pouco se sabe sobre os contornos exatos da conversa, no Vaticano, mas a verdade é que Maduro aterrou em Caracas com ideias renovadas e disposto a negociar com a oposição.

Reuniu-se, então, no domingo, com membros da plataforma composta pelos partidos opositores ao regime, a Mesa da Unidade Democrática (MUD), e no dia seguinte ordenou, num gesto de boa vontade, a libertação de seis presos políticos. A oposição não quis ficar atrás na gentileza e decidiu cancelar um debate na Assembleia Nacional, marcado para terça-feira, destinado à discussão das violações constitucionais perpetradas pelo governo de Maduro e também suspendeu a marcha de protestos de hoje, em frente ao palácio presidencial, consumando aquilo a que já se pode chamar como um autêntico milagre político.

“A sessão foi adiada, uma vez que, nas últimas horas, o Vaticano aderiu formalmente para intervir na crise constitucional e democrática no país”, confirmou Julio Borges, líder da bancada parlamentar da MUD, citado pelo jornal argentino “Página 12”, acrescentando que foi o próprio Vaticano a “pedir uns dias”.

A verdade é que a entrada em cena da autoridade máxima católica está a revolucionar uma relação que parecia cada vez mais destinada à rutura total. A oposição lutou, durante os últimos meses, para levar para a frente um referendo revocatório, com objetivo de depor o presidente, mas o governo de Maduro recorreu-se da complexa legislação eleitoral venezuelana, criou um labirinto de obstáculos à realização da consulta popular e garantiu que o chefe de Estado permanece no poder, pelo menos, até 2018. Entretanto o país vive uma das mais dramáticas crises económicas da sua história e a população tem cada vez maiores dificuldades em aceder aos mais básicos bens.

Das conversas de domingo, moderadas pelo Vaticano, resultou a formação de quatro grupos de trabalho, assentes em temas predefinidos e nos quais, durante os próximos dez dias, se vão discutir soluções para a crise. Uma nova ronda de diálogo está marcada para o dia 11 de novembro.

Diálogo, sim, mas…

Os membros da MUD estão perfeitamente conscientes da oportunidade histórica que têm pela frente, trazida pelo pontapé de saída nas negociações e pela decisão de Maduro em libertar seis prisioneiros políticos. Ainda assim, não estão dispostos a arriscar a sua legitimidade política, representada no parlamento, por um pequeno gesto de abertura do presidente. É que pelo menos 100 pessoas, com ligações aos partidos que compõem a coligação partidária, opositora ao regime, continuam encarceradas, sob as mais diversas acusações.

A libertação, na terça-feira, de Carlos Melo, Andrés Moreno, Marcos Trejo, Coromoto Rodríguez, Pablo Parada e Jean Ortiz, foi saudada pela oposição, mas o jornal espanhol “El País” refere que Julio Borges fez questão de garantir que a MUD só estará presente no retomar das conversas, em novembro, se o executivo se comprometer com as seguintes medidas: a libertação plena e sem condições de todos os presos políticos; a antecipação das eleições; a eleição de uma nova lista para o Conselho Nacional Eleitoral; a recuperação da competência parlamentar orçamental, restringida pelo Tribunal Supremo; e a aceitação, por parte de Nicolás Maduro, da ajuda humanitária que quer contribuir para a escassez de alimentos e medicamentos de primeira necessidade na Venezuela.

O caminho a percorrer ainda é longo mas o Papa Francisco dá o mote: “Se não se dialoga, grita-se e não há outra solução”. Para já é a sua bênção que está a alimentar este milagre.