Leïla Slimani. Romance perturbador vale Prémio Goncourt

A escritora franco-marroquina conquistou o mais prestigiado prémio literário francês com a obra “Chanson Douce”, a história arrepiante de um infanticídio.

Estava a pensar tirar a noite, folgar dos miúdos e deixá-los com a babysitter para recuperar algum do romantismo que ficou algures perdido nas disputas sobre a quem cabe a vez na muda de fraldas? Depois de ler “Chanson Douce” (canção doce) irá pensar duas vezes antes de o voltar a fazer. É o segundo romance de Leïla Slimani, escritora nascida em Marrocos, e a ação do livro começa com o homicídio de duas crianças pequenas pela sua ama. Se é uma obra de ficção, o pior é que é baseado no caso real de uma ama dominicana que aguarda atualmente o julgamento pelo duplo homicídio das duas crianças que tinha a seu cargo em Nova Iorque, em 2012.

O livro que começa com a frase “A criança está morta”, tornou-se um sucesso imediato, com 76 mil exemplares vendidos, e estava entre os preferidos ao Prémio Goncourt. Também ela mãe, Slimani tinha já agitado as águas com o seu primeiro romance sobre uma ninfomaníaca, e em relação ao mais recente disse que “a ideia de pagar a alguém para amar os teus filhos” sempre a fascinou. “Isto conduz a uma relação muito ambígua… Estamos sempre com medo de que tomem o nosso lugar no coração dos nossos filhos”, acrescentou.

Aos 35 anos, e mesmo antes do sucesso literário, era já uma mulher que tinha conquistado a atenção do país enquanto jornalista da “Jeune Afrique”, uma revista em língua francesa com notícias sobre África. Tendo deixado Marrocos aos 17 anos para se matricular na Sciences Po, em Paris, uma das mais importantes universidades do país. A sua entrada na cena literária foi feita de rompante com o muito aclamado romance “Dans le Jardin de l’Ogre” (”No Jardim do Ogre”), que segue os passos de uma viciada em sexo nalguns dos mais afluentes bairros parisienses.

Cercada por jornalistas à saída de um restaurante na Cidade da Luz onde o prémio foi anunciado, Slimani disse apenas: “É difícil falar de literatura no meio desta barafunda”. Mais tarde, em declarações à AFP, garantiu que tinha dormido bem na véspera, mesmo sendo apontada como favorita à distinção, e dedicou-a aos “pais, e particularmente ao meu pai que morreu há dez anos”.

Nos últimos 20 anos, esta é apenas a quarta vez que o maior galardão literário de língua francesa é atribuído a uma mulher. E nos 112 anos do Goncourt, Leïla Slimani é a sétima mulher a conquistá-lo. A vencedora anterior foi Lydie Salvayre, filha de exilados espanhóis que confrontou as memórias da Guerra Civil espanhola no romance “Nada de Lágrimas” (Bertrand, 2015). No ano passado, o prémio foi atribuído ao livro “Bússola” de Mathias Énard, autor que esteve recentemente em Portugal.

O prémio é atribuído a obras escritas em francês, embora o autor não tenha de ser cidadão francês. O autor recebe um valor monetário simbólico de 10 euros com o prémio, mas é o efeito de ondulação do Goncourt que historicamente impulsiona as vendas até às centenas de milhares ou mais.

Publicado pela prestigiada editora Gallimard, em “Chanson Douce” o típico casal de classe média na casa dos 40 faz os possíveis para conciliar a vida familiar com a tentativa de elevar os seus padrões de riqueza e conforto. É assim que se viram para Louise, uma jovem e carismática ama que virá a abrir a porta do inferno para o quarto onde dormem as crianças.

Os dez membros da Academia Goncourt, fizeram no restaurante Drouant, uma tradição que se mantém desde 1914. “É um romance sobre a luta de classes num apartamento burguês e sobre a luta pelo afeto das crianças.”

Slimani esclareceu que em parte o romance vem das suas próprias experiências. “Eu também estive ao cuidado de amas enquanto crescia em Marrocos”, revelou esta quinta-feira, adiantando que “quando tinha sete ou oito anos, já era muito sensível à estranha posição que elas tinham na casa. Eram mulheres que ao mesmo tempo amávamos enquanto mães e estranhas. Sempre me comoveu a dificuldade da sua situação, tantas vezes sujeitas a humilhações”. A escritora disse que tinha descoberto “novos tipos de baby-sitters” quando chegou a Paris: “Descobri que podiam ser personagens muito romanescas”.